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CARLOS HEITOR CONY
De índios e de mim pecador
Se começo a pensar
que índio é aborígine, acabo justificando qualquer massacre
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ENTRE AS minhas cívicas e problemáticas virtudes, não está
o amor pelos índios. Tampouco o desamor. Embora os respeite
e tudo deseje de bom para que se-
jam felizes, não me lembro de ter
perdido uma noite de sono por causa deles.
Conheço, em linhas gerais, e muito por cima, seus problemas históricos e reconheço seus direitos sobre o
território que era exclusivamente
deles. Aprecio e dou força às campanhas feitas ou a fazer a favor de suas
causas. Nada tenho contra. E tudo a
favor.
Já foram cometidas muitas barbaridades contra os índios, no passado
e agora. Até mesmo uma espécie de
genocídio. Sei que a igreja, sobretudo os missionários da região amazônica, chegaram a engrossar com o
papa quando João Paulo 2º visitou a
terra deles, em sua primeira vinda
ao Brasil, em 1980.
Os promotores do encontro queriam que os indígenas organizassem
um espetáculo apenas folclórico, de
danças e outras amenidades, mas os
bispos locais exigiram que o papa tomasse conhecimento dos problemas de diversas comunidades. Dei-lhes, a todos, índios, bispos, missionários e papa, minha calorosa e não
solicitada bênção.
Mas acho que há exagero na parte
dita sociológica do problema. Está
certo que lutemos para preservar as
tribos existentes, garantindo antes
de mais nada a posse de suas terras,
onde possam desenvolver sua cultura e viverem como bem entendem.
Se não me engano, essa é importante exigência dos direitos humanos.
Mas alguns sociólogos e ambientalistas, na ânsia de defender os índios, enfocam a questão em termos
xenófobos e cientificamente anti-históricos. Leio num documento:
"Os índios no Brasil constituíam
uma população de 5 milhões de aborígines por ocasião da invasão portuguesa, em 1500".
Em primeiro lugar, abomino a palavra aborígine. Se começo a pensar
que índio é aborígine, acabo justificando qualquer massacre. Depois
vem a questão da invasão portuguesa. Confesso que, na primeira leitura, não entendi direito.
Bem ou mal, a história é escrita
pelos vencedores. Tivemos a invasão holandesa, aí pelo Norte, outra
dos franceses, aqui pelo Sul. Foram
repelidos. Mas, em 1500, tivemos o
Descobrimento ou o Achamento
-único fato, por sinal, que o Brasil
produziu até agora para a história
universal.
Descoberto ou achado, de qualquer forma, é dose para leão examinar a questão por outro ângulo. Imaginar que o bravo almirante português, além de não saber por onde estava navegando, além da mancada
de ter perdido o rumo das Índias, cometeu o crime de "invadir" terras
alheias.
Nada tenho contra ou a favor de
Cabral, não sou entusiasta da colonização portuguesa nem de colonização alguma. Mas aceito humildemente os fatos. Se não houvesse o
Descobrimento, o Achamento ou a
Invasão, eu seria hoje um inocente
tamoio, de troços de fora, tomando
porre de cauim, dançando e comendo peixe no quarup, adorando Tupã
e temendo o Manitô -que parece
ser o deus do sono ou da alucinação.
Talvez nem pudesse ter o luxo e a
arrogância de não adorar Tupã nenhum, não existem índios ateus, eles
nunca leram Voltaire, Renan e
Marx. Em compensação, eu não teria resfriados, não correria o risco de
morrer de câncer, ser atropelado
por um motoqueiro alucinado ou vítima de bala perdida.
Não sofreria angústias existenciais (também não teria lido Sartre
nem Hegel), não pagaria Imposto de
Renda nem seria obrigado a votar.
Enfim, tornar-me-ia um cara absolutamente puro, forte e ecologicamente correto.
Quis a história, via Pedro Álvares
Cabral, que eu resultasse no monstro que sou, pasto de bacilos, minado
de bactérias nocivas, corrompido
por dentro e por fora. Não teria ouvido Vivaldi e Benedetto Marcello, autores venezianos do meu agrado,
nem apreciado aquela pequena fogueira pintada por Goya, que está
num canto quase escondida, na parede mais humilde do museu do
Prado.
O caso pessoal não conta. Conta o
meu incondicional apoio à causa dos
índios, desde que eu continue aqui
na Lagoa, e eles, em suas terras, puros e belos, donos absolutos do chão
que Tupã lhes deu e que homem nenhum, em nome de Deus ou da civilização, pode tirar.
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