São Paulo, sexta, 23 de maio de 1997.



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GASTRONOMIA
Ponto Chic, 75, brinda com bauru


CASSIANO ELEK MACHADO
da Redação

Era uma noite de novembro de 1936. Um grupo de estudantes estava reunido para combinar os detalhes da eleição da diretoria do Centro Acadêmico 11 de Agosto.
Como o Estado Novo de Getúlio Vargas reprimia as reuniões estudantis, o grupo se refugiou no esconderijo preferido: o Ponto Chic do Largo do Paissandu.
Foi no final dessa vigília, que durou três dias e três noites, que Casimiro Pinto Neto inventou um dos sanduíches mais famosos de São Paulo: sua excelência, o bauru.
A história, que muitos conheceram distorcida, ganha seus contornos definitivos com a publicação do livro "Ponto Chic - Um Bar na História da Cidade", que o jornalista Angelo Iacocca está organizando para comemorar os recém-completados 75 anos do bar-restaurante-boteco.
De acordo com Iacocca, a edição de luxo, que deve ser lançada em setembro pela editora Melhoramentos, não é uma mera historiografia da casa.
Com uma pesquisa histórica e iconográfica aprofundada, a obra pretende traçar um painel cultural da cidade neste século, tendo o Ponto Chic como fio condutor.
O entrelaçamento da história da cidade e do, digamos, bar, começa no significativo ano de 1922.
Quando foi aberto, o Ponto Chic não tinha nome -era apenas um ponto chique, em que o balcão era de mármore, os azulejos, franceses e os lustres, de cristal.
Mário e Oswald de Andrade, Murilo Mendes e outros artífices do modernismo, que surgira meses antes do bar, foram alguns dos frequentadores que colaboraram para que o nome se definisse como Ponto Chic.
Tarsila do Amaral, Anita Malfatti e todas as demais, ficavam de fora.
Antonio Alves de Souza, que começou a trabalhar no local em 1948, passou por todas as funções até assumir a direção da casa, explica que até então as mulheres não podiam entrar no bar.
Nem mesmo as prostitutas, que segundo Souza marcavam ponto no Largo do Paissandu em grande escala até o começo dos anos 50 -o bordel da "dona Fifi" ficava sobre o Ponto Chic.
Foi Souza quem desenhou a atual configuração do cardápio do PC, apelido do bar.
Quando ele começou a trabalhar na casa, o bauru criado por Casimiro Pinto -o primeiro Repórter Esso, em 1941- já fazia sucesso, ao lado da fritada (queijo, presunto, ovos e manteiga em camadas) e do mexido (presunto picado envolvido com queijo e tomate), pratos que continuam sendo generosamente servidos. Mas o cardápio não passava de sanduíches e ovos.
Seu Antonio, que ainda come seu bauru dia sim, dia não, foi incrementando gradualmente a carta de opções, que hoje tem mais de 50 escolhas, quase todas assentadas na tradição.
Mas a maior mudança não foi gastronômica. Em 1978, quando morreu o antigo dono, a casa fechou. Os garçons ficaram tão revoltados que quebraram tudo.
O restaurante renasceu em Perdizes. Só em 1981, a casa do Paissandu reabriu.
O Ponto Chic deixou de ser chique, mas não perdeu qualidade nem clientela.
Hoje, com seus 75 anos, o PC é frequentado por boêmios e curiosos de todas as faixas etárias e monetárias. Muitos deles vêm sedentos pelo ótimo chope, pelo bauru, pelo rococó (com alice, gorgonzola e rosbife) e para ver, mesmo sem saber, um cenário que, entre outras façanhas, inspirou Adoniram Barbosa a compor "Viaduto Santa Ifigênia" nas mesas do bar.

Restaurante: Ponto Chic Onde: Largo do Paissandu, 27, tel. 011/222-6528, centro; largo Padre Péricles, 139, tel. 011/826-0500, Perdizes, e mais quatro endereços Quando: diariamente, das 10h às 2h (Paissandu não abre aos domingos)






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