São Paulo, sábado, 23 de maio de 1998

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Horgan afirma que a ciência chegou ao seu limite

MAURICIO TUFFANI
Editor-assistente de Ciência


Numa atitude típica de final de milênio (se é que assistimos a tantos milênios assim para poder comparar), John Horgan, editor da revista norte-americana "Scientific American", se esforça, em seu livro "O Fim da Ciência", para fazer o leitor acreditar que não há lugar no futuro para novas idéias científicas fundamentais, como as leis do movimento de Newton, a relatividade de Einstein e a seleção natural de Darwin.
Horgan é um dos mais talentosos jornalistas científicos da atualidade. Seu livro reúne entrevistas que ele fez com alguns dos principais nomes do mundo da ciência atual: os físicos Stephen Hawking, Murray Gell-Mann e Fred Hoyle, os biólogos Stephen Jay Gould, Richard Dawkins e Edward Wilson, além de vários outros.
No entanto, o parti pris de Horgan com relação ao limite do desenvolvimento científico pouco deixa de espaço reflexivo para o leitor desavisado. Seu ponto de vista se espalha como uma metástase no relato de cada entrevista, reforçando a crença de que os cientistas atuais padecem do mesmo peso da influência atribuída por Harold Bloom, em "The Anxiety of Influence" ("A Angústia da Influência", editora Imago), a Dante, Shakespeare e Milton sobre os poetas atuais, os "retardatários".
"Os cientistas modernos também são retardatários, e sua carga é muito mais pesada do que a dos poetas", diz Horgan. Os pesquisadores atuais, segundo ele, têm de aturar o fardo da herança de Newton, Einstein, Darwin e de outros mestres: a menos nobre tarefa de apenas resolver quebra-cabeças dos grandes modelos ou paradigmas criados. Trata-se da atividade definida pelo filósofo Thomas Kuhn, outro entrevistado, como "ciência normal" em "The Structure of Scientific Revolutions" ("A Estrutura das Revoluções Científicas", editora Perspectiva).
Mas Horgan parece se esquecer que Kuhn -que ele parafraseia para justificar sua tese- também descrevera a "ciência em crise", na qual proliferam anomalias nos paradigmas. Com o crescimento dessas anomalias e com o aparecimento de novas gerações de cientistas menos dispostas a tolerá-las, criam-se as condições para a elaboração de novos paradigmas científicos, que expliquem tudo o que os anteriores explicavam sem tratar as antigas anomalias como corpos estranhos à teoria.
Há cerca de 80 anos, após um longo período de invencibilidade à frente dos tabuleiros, o cubano José Raoúl Capablanca, então campeão mundial de xadrez, afirmou que o conhecimento técnico enxadrístico havia chegado ao seu limite. No entanto, ele viveu o suficiente para ser trucidado sob as mesmas regras do jogo e também para assistir ao nascimento de novas concepções estratégicas.
Muito além das restritas 64 casas que até hoje pregam surpresas, a ciência possui chances infinitamente maiores de combinações e ciladas. Talvez o próprio Horgan possa testemunhar a ciência desmentir seu livro, que, bem ou mal, vale pelas entrevistas.


Livro: O Fim da Ciência - Uma Discussão sobre os Limites do Conhecimento Científico
Autor: John Horgan
Lançamento: Companhia das Letras
Quanto: R$ 27,50 (363 págs.)



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