São Paulo, sexta-feira, 23 de junho de 2000


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TEATRO
Em meio a onda de interesse sobre o nazismo, montagem de "Albert Speer" mostra vida do arquiteto oficial do Reich
Adolf Hitler retorna à cena em Londres

RICARDO GRINBAUM
DE LONDRES

Está em cartaz em Londres uma peça inquietante para quem gosta de história e ousada para quem se interessa por teatro. Pela primeira vez num palco da cidade, um ator interpreta a figura do ditador Adolf Hitler distante do estereótipo do "monstro nazista". O resultado é uma provocação.
A peça se chama "Albert Speer" e retrata a vida do homem que foi o arquiteto oficial do Partido Nazista e, talvez, o melhor amigo de Hitler durante a Segunda Guerra.
Jovem profissional sem boas perspectivas de carreira, ele entrou para o Partido Nazista e ganhou a confiança de Hitler. Em pouco tempo, Speer tornou-se o arquiteto mais importante da Alemanha, responsável pelos cenários das manifestações de massa nazista e pelo projeto megalomaníaco de reconstrução de Berlim.
Depois da guerra, foi condenado a 20 anos de prisão na penitenciária de Spandau, em Berlim. E escreveu vários livros sobre sua convivência com a cúpula de poder nazista. O ponto central da peça escrita por Edgar David (baseada em biografia feita pela jornalista Gitta Sereny) é o questionamento sobre o quanto Speer sabia sobre as atrocidades nazistas. "Eu deveria saber, eu poderia saber, mas eu não sabia", tenta se justificar Speer.
"O que assusta em Speer é que muitas das emoções que o levaram a se deixar seduzir por Hitler podem ser reconhecidas em outros intelectuais de classe média que aderiram ao nazismo na década de 30", diz David.
Speer tinha uma devoção pessoal a Hitler, a quem via como uma figura paterna. Esse é o ponto mais ousado e polêmico da peça: em vez de retratar Hitler como encarnação do mal, optou-se por mostrá-lo como um ser humano. "Um Hitler humano incomoda mais", diz David.
Só no final da peça, Hitler aparece como um personagem marcado pelo ódio, ávido por destruição e morte. Speer, ao contrário, é retratado como um personagem ambíguo. Foi capaz de atos terríveis, mas não era movido pelo ódio ou pela crença na ideologia nazista. A impressão que fica é que ele passou a vida mentindo para os outros e para si mesmo para aliviar sua consciência.

Curiosidade crescente
Quase 60 anos depois da rendição da Alemanha aos aliados, o nazismo ainda ocupa o centro dos debates no Reino Unido. A peça sobre Speer é apenas mais uma das novidades em cena.
Todos os dias, as emissoras de televisão transmitem documentários sobre a guerra. As livrarias estão repletas de novos estudos sobre Hitler e os jornais trazem, diariamente, notícias sobre o tema.
No início do mês, o respeitado London Imperial War Museum abriu a primeira exposição permanente sobre o Holocausto no Reino Unido, com mapas, objetos, explicações sobre a ideologia racial nazista e depoimentos dos sobreviventes do Holocausto.
"A ascensão de grupos neonazistas na Alemanha e o fortalecimento dos partidos de direita em países como a Áustria levam a se preocupar com o tema", diz David. O debate ganhou ainda mais força no Reino Unido devido à recente condenação do historiador David Irving.
Em seus livros e entrevistas, o acadêmico sustentava a tese que não houve o Holocausto, a campanha sistemática de extermínio dos judeus.


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