São Paulo, terça-feira, 23 de junho de 2009

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

Análise/cinema

Marker reescreve cenas do passado

Artista francês usa imagens antigas, suas e de outras pessoas, para criar obras potentes e atuais; CCBB-SP exibe 33 filmes

Haverá exibição do filme "Sans Soleil" e de documentário sobre Akira Kurosawa; mostra no CCBB-Brasília vai até domingo


Divulgação
Cena do curta "La Jetée', um dos raros trabalhos ficcionais do artista francês Chris Marker, realizado com fotografias fixas

PEDRO BUTCHER
COLABORAÇÃO PARA A FOLHA

"Não é o passado que nos domina, são as imagens do passado." Epígrafe do filme "O Túmulo de Alexandre", a frase do pensador e crítico literário George Steiner poderia se aplicar a toda a obra do artista francês multimídia Chris Marker.
Ao reinventar e recontextualizar materiais captados por outras pessoas, em outros tempos, não raro misturando imagens colhidas por ele mesmo, Marker confere aos registros do passado nova potência e atualidade, retirando deles sua condição de fantasma.
Nascido em 1921, na França, Marker é de uma geração formada pelo cinema (e pelos traumas da Segunda Guerra).
Mas, possivelmente, foi o único "cineasta" de sua geração capaz de abraçar de imediato as novas tecnologias da imagem, sem se atrelar à película. Uma decisão que contribuiu para mantê-lo à margem, mas que, com o tempo, mostrou-se visionária.
Uma ideia de cinema, no entanto, sempre serviu de baliza para seu trabalho: aquela do filme-ensaio, proposta pelo cineasta russo Sergei Eisenstein.
Para além da montagem dialética, a operação envolve novas conexões que incluem, sobretudo, o som. Não por acaso, boa parte de seus filmes é narrada em primeira pessoa.
Marker não é um "cineasta político", mas um pensador e poeta da história. Em rara entrevista ao jornal francês "Libération", em 2003, ele falou sobre o estigma do diretor engajado: "Para muitos, engajado quer dizer político, e a política, arte do compromisso -o que lhe diz respeito de fato. Retirado o compromisso, só existem relações de força bruta (...). O que me apaixona é a história, e a política me interessa somente na medida em que ela é o recorte da história no presente".
Mesmo "La Jetée" (a plataforma), um de seus raros trabalhos ficcionais, realizado com fotografias fixas, fala da questão do tempo. O ponto de partida são duas imagens presentes na memória do personagem central, sobrevivente de uma hecatombe nuclear: o rosto de uma mulher e a morte de um homem. Mas o passado, aqui, é também futuro -uma bela síntese dos objetivos de Marker.
Em meio a uma obra farta, que mistura suportes e, em alguns casos, liberta-se da projeção diante de uma plateia (ele foi um dos primeiros artistas a produzir um CD-Rom, por exemplo), dois filmes se destacam na mostra do Centro Cultural Banco do Brasil. Não por acaso, são reflexões sobre o comunismo e sua derrocada: "O Fundo do Ar É Vermelho" (1977), e "O Túmulo de Alexandre" (1992). O primeiro é um épico de três horas, movido pelo contraste entre os movimentos de esquerda do fim dos anos 60 e o autoritarismo soviético, tomando como ponto nevrálgico maio de 68, na França, e a invasão de Praga, em agosto daquele mesmo ano. O uso do material de arquivo é assombroso.
O segundo é formado por seis cartas dirigidas ao cineasta russo Alexandre Medvedkine, autor de "A Felicidade" (1934), uma figura que, na visão de Marker, foi injustamente excluída dos cânones cinematográficos. (detalhe: "A Felicidade" também está na mostra).
Merecem atenção, ainda, "As Estátuas Também Morrem" (1953), correalizado com Alain Resnais, "A.K." (1995), belíssimo filme sobre as filmagens de "Ran", de Akira Kurosawa, e "Um dia de Andrei Arsenevich" (1999), sobre Andrei Tarkovski.


MOSTRA CHRIS MARKER: BRICOLEUR MULTIMÍDIA
Quando: a partir de amanhã, até 5/ 07; qua. a dom. (bb.com.br/cultura)
Onde: Centro Cultural Banco do Brasil - São Paulo (r. Álvares Penteado, 112, tel.: 0/xx/11/ 3113-3651)
Quanto: R$ 4 (classificação: 12 anos)



Texto Anterior: Um mito da caverna
Próximo Texto: MinC autoriza Caetano a usar benefícios fiscais
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.