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LIVRO
Candeias põe a mão na cumbuca Boca do Lixo
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Durante anos, Ozualdo
Candeias fotografou as pessoas na rua do Triunfo, centro da
produção cinematográfica paulista. Durante anos, todo mundo se
perguntou o que Candeias queria
com aquilo. A resposta está em
"Uma Rua Chamada Triumpho",
livro que editou quase clandestinamente e que a duras penas Fred
Botelho, da locadora 2001 Vídeo,
conseguiu colocar à venda.
Candeias é um dos maiores diretores do cinema brasileiro, destacou-se com filmes como "A
Margem", "Meu Nome É Tonho",
"A Herança" e tantos outros quase sempre pouquíssimo vistos (o
que é uma pena e uma perda
enorme). O arranjo de suas fotos
serve como comprovação, pois
página após página depreende-se
a complexidade dessa "boca" onde se fez cinema intensamente entre os anos 60 e 80. É até certo
ponto fácil dar conta do que foram a Vera Cruz, a Maristela, a
Atlântida, ou mesmo o cinema
novo. São fenômenos delimitados
e relativamente homogêneos.
A Boca do Cinema ou Boca do
Lixo, ao contrário, emerge das fotos de Candeias como um emaranhado de tendências e influências. É o ponto de confluência por
onde circulam inimigos figadais,
como Paulo Emilio Salles Gomes
e Ruben Biáfora, a Embrafilme e
Primo Carbonari, jovens realizadores de vanguarda e outros semi-analfabetos, figuras históricas
como Adhemar Gonzaga e modestos figurantes, técnicos e atrizes da pornochanchada (ou não).
Tudo e todos parecem se encontrar. Com efeito, se encontravam.
Ali foi a maior usina de filmes da
história do cinema brasileiro. Ali
se produziu de "O Bandido da
Luz Vermelha" até "A Menina e o
Cavalo". Trata-se de uma herança
díspar, que vai do melhor ao pior,
do notável ao francamente idiota.
Desde aquele tempo, torcia-se o
nariz para a Boca, vista muitas vezes como sinônimo de marretagem, o que não é de todo equivocado. Mas ali havia de tudo, luxo,
lixo, rebeldia, conformismo etc. E
picaretagem. Muita picaretagem
saudável, saída de artistas que às
vezes mal sabiam escrever um roteiro (não falo da técnica, mas do
mínimo domínio da língua).
E no entanto... de tudo isso saía
de repente um gênio como José
Mojica Marins, um talento não
negligenciável como Jean Garrett,
por vezes um policial inesperado
e brilhante de Cláudio Cunha.
Quem pôs a mão nessa cumbuca? A fundo mesmo ninguém,
com exceção de Candeias. Seu
trabalho evita toda hierarquização. Ali encontramos, lado a lado,
estrelas como Vera Fischer e figurantes, fotógrafos e montadores
ilustres e técnicos modestos, assistentes de câmera ou maquinistas cujo nome ninguém guarda.
E, claro, há o bar Soberano, personagem central de toda essa história, pois era em frente dele que
se davam as grandes reuniões de
fim de tarde, quando as equipes
em atividade chegavam da filmagem e encontravam as pessoas
que esperavam por trabalho.
A Boca do Lixo é um fenômeno
de cinema bem mais complexo do
que em geral se imagina. Quem
botou a mão nesse jarro de Pandora de onde sai de tudo um pouco? Ninguém, até hoje, a não ser
Candeias. Essa documentação extensa e meticulosa é uma pista importantíssima para quem pretende, daqui por diante, tentar compreender a dimensão e a abrangência desse cinema.
Uma Rua Chamada Triumpho
Autor: Ozualdo Candeias
Editora: edição do autor
Quanto: R$ 32 (142 págs.)
Onde encontrar: 2001 Vídeo
(www.2001.com.br)
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