São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2001

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CRÍTICA
Coragem e ousadia fazem mal a alguém?

DA REPORTAGEM LOCAL

Uma banda ou duas? Se em seu disco de estréia ("Los Hermanos", 99) esses garotos soavam constrangedoramente infantis, a volta com "Bloco do Eu Sozinho" causa desconforto em proporção talvez equivalente, porque nele querem a todo custo parecer bem mais adultos do que são.
Cumprem o número dois contornando-se como banda preocupada demais -ora com o sucesso, ora com a aceitação crítica, talvez com os dois ao mesmo tempo com a mesma intensa e incandescente ansiedade juvenil.
A distância entre o tempo de "Anna Júlia" e o de agora é a mesma que há entre os produtores dos dois respectivos momentos, Rafael Ramos (filho do diretor artístico da Abril, descobridor dos Mamonas Assassinas e ex-líder da Baba Cósmica, urgh, que currículo) e Chico Neves (próximo de Liminha, coordenador do que de melhor já fizeram Lenine e O Rappa e talvez o mais consistente produtor em ação hoje no Brasil).
As levadas de modinha, que tanto podiam parecer de jovem guarda como de axé music, foram abruptamente trocadas por uma massa sonora esquisitíssima, toda pintada de arabescos e muito, muito estimulante à curiosidade de quem goste de abrir as muitas gavetas que podem estar fechadas numa música.
"Bloco do Eu Sozinho" é uma sinfonia pop de sonoridades pré-bossa nova e pré-tropicália (bem, ainda há a jovem guarda; e, a bem dizer, o tropicalista Tom Zé atravessa o disco inteirinho como influência onipresente).
É um coalhado de tubas, trombones, clarinetes, flautas doces, oboés, banjos, violinos, violoncelos, banjos, agogôs, por aí afora. Não nega propriamente as vertentes centrais da MPB pós-bossa, mas dá um beliscão em quem pense que nada existiu além disso -por ironia, eles próprios confessam, muito jovens que são, que não conhecem tanto assim da longínqua primeira metade do século passado.

Novas baladas?
Candidatas a nova "Anna Júlia" até aparecem. "A Flor" parece que vai engrenar, mas os interstícios instrumentais truncam a melodia, o refrão não vem, a porca acaba torcendo o rabo. Só lá na frente as fofas "Deixa Estar" e "Mais uma Canção" irão baixar a guarda um tantinho, com golpes fartos de suavidade balada'n'roll. Tarde demais?
As letras, que eram bem tolas, continuam sendo (exceção é a engenhosa e gostosa "Cadê Teu Suin?", em receita à Tom Zé e concretismo). Mas viraram verborrágicas, inimigas da melodia, desordenadamente intricadas.
Refletem ainda o empobrecimento poético brasileiro, mas sobem a montanha por não acreditarem no besteirol pós-concretista e/ou pró-assunto-nenhum que toma toda a MPB e todo o pop de hoje. Los Hermanos têm o que dizer, ou querem ter.
Não se consegue saber, ainda, se a compactação musical por que passa o grupo é pânico de ouvir uma nova "Anna Júlia" saindo carnavalescamente das bocas de ivetes e outras comadres ou uma tentativa guerrilheira de implantar alguma complexidade nas rádios saudosas do ex-hit.
O que ninguém pode negar é que o motor de "Bloco do Eu Sozinho" é a coragem (suicida, será?), artigo fora de catálogo num cenário que possui hordas de jotas quest nos calcanhares de cada hermano que ouse botar o pescoço fora da toca. Cedeu um pouco a banda, cedeu um monte a gravadora, todos têm a perder se der errado. Mas coragem e caldo de galinha não fazem mal a ninguém. Ou fazem?
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)

Bloco do Eu Sozinho
   
Artista: Los Hermanos
Lançamento: Abril Music Quanto: R$ 25, em média

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