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CRÍTICA
Coragem e ousadia fazem mal a alguém?
DA REPORTAGEM LOCAL
Uma banda ou duas? Se em
seu disco de estréia ("Los
Hermanos", 99) esses garotos
soavam constrangedoramente infantis, a volta com "Bloco do Eu
Sozinho" causa desconforto em
proporção talvez equivalente,
porque nele querem a todo custo
parecer bem mais adultos do que
são.
Cumprem o número dois contornando-se como banda preocupada demais -ora com o sucesso, ora com a aceitação crítica, talvez com os dois ao mesmo tempo
com a mesma intensa e incandescente ansiedade juvenil.
A distância entre o tempo de
"Anna Júlia" e o de agora é a mesma que há entre os produtores
dos dois respectivos momentos,
Rafael Ramos (filho do diretor artístico da Abril, descobridor dos
Mamonas Assassinas e ex-líder da
Baba Cósmica, urgh, que currículo) e Chico Neves (próximo de Liminha, coordenador do que de
melhor já fizeram Lenine e O
Rappa e talvez o mais consistente
produtor em ação hoje no Brasil).
As levadas de modinha, que
tanto podiam parecer de jovem
guarda como de axé music, foram
abruptamente trocadas por uma
massa sonora esquisitíssima, toda
pintada de arabescos e muito,
muito estimulante à curiosidade
de quem goste de abrir as muitas
gavetas que podem estar fechadas
numa música.
"Bloco do Eu Sozinho" é uma
sinfonia pop de sonoridades pré-bossa nova e pré-tropicália (bem,
ainda há a jovem guarda; e, a bem
dizer, o tropicalista Tom Zé atravessa o disco inteirinho como influência onipresente).
É um coalhado de tubas, trombones, clarinetes, flautas doces,
oboés, banjos, violinos, violoncelos, banjos, agogôs, por aí afora.
Não nega propriamente as vertentes centrais da MPB pós-bossa,
mas dá um beliscão em quem
pense que nada existiu além disso
-por ironia, eles próprios confessam, muito jovens que são, que
não conhecem tanto assim da
longínqua primeira metade do século passado.
Novas baladas?
Candidatas a nova "Anna Júlia"
até aparecem. "A Flor" parece que
vai engrenar, mas os interstícios
instrumentais truncam a melodia, o refrão não vem, a porca acaba torcendo o rabo. Só lá na frente
as fofas "Deixa Estar" e "Mais
uma Canção" irão baixar a guarda
um tantinho, com golpes fartos de
suavidade balada'n'roll. Tarde demais?
As letras, que eram bem tolas,
continuam sendo (exceção é a engenhosa e gostosa "Cadê Teu
Suin?", em receita à Tom Zé e
concretismo). Mas viraram verborrágicas, inimigas da melodia,
desordenadamente intricadas.
Refletem ainda o empobrecimento poético brasileiro, mas sobem a montanha por não acreditarem no besteirol pós-concretista e/ou pró-assunto-nenhum que
toma toda a MPB e todo o pop de
hoje. Los Hermanos têm o que dizer, ou querem ter.
Não se consegue saber, ainda, se
a compactação musical por que
passa o grupo é pânico de ouvir
uma nova "Anna Júlia" saindo
carnavalescamente das bocas de
ivetes e outras comadres ou uma
tentativa guerrilheira de implantar alguma complexidade nas rádios saudosas do ex-hit.
O que ninguém pode negar é
que o motor de "Bloco do Eu Sozinho" é a coragem (suicida, será?), artigo fora de catálogo num
cenário que possui hordas de jotas quest nos calcanhares de cada
hermano que ouse botar o pescoço fora da toca. Cedeu um pouco a
banda, cedeu um monte a gravadora, todos têm a perder se der errado. Mas coragem e caldo de galinha não fazem mal a ninguém.
Ou fazem?
(PEDRO ALEXANDRE SANCHES)
Bloco do Eu Sozinho
Artista: Los Hermanos
Lançamento: Abril Music
Quanto: R$ 25, em média
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