São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2001

Texto Anterior | Índice

"BLOCO DO EU SOZINHO", PASSO A PASSO

Capítulo 1
Querendo trilhar caminho diverso neste segundo momento, o grupo chegou ao nome de Chico Neves, produtor de Lenine, Fernanda Abreu, O Rappa e Paralamas do Sucesso.
Neves conta o passo seguinte da história: "Coloquei um limite para João Augusto [diretor artístico da Abril". Acho que foi o que criou o problema. Fiquei indignado quando ele disse que sou um produtor que faz as coisas como quer. Disse que lá é diferente, que interferem no trabalho do artista, sim".
Segundo Neves, a banda peitou a indignação e se remeteu diretamente ao presidente, que deu carta branca à produção.
"Fomos para um sítio fazer os arranjos e começamos a promover um clima quase libertário", conta o guitarrista e vocalista Marcelo Camelo. Segundo a banda, o resultado correspondeu às expectativas. Indiretamente, os Hermanos expõem os pontos de vista que bateriam de frente com a Abril. O vocalista e guitarrista Rodrigo Amarante filosofa:
"Hoje, com esses lances pré-apocalípticos de qualidade total, há na lógica comercial essa história de atender a um público supostamente sentado em cadeiras, que vai preencher um formulário e definir o que vai ser o produto. Isso é burro, porque o público é formado a partir do que você propõe."

Capítulo 2
Pronto o disco, era hora de levá-lo à Abril. "Levei tudo à gravadora, agindo como age gente correta", conta Neves. Camelo conta a reação: "A gravadora teve o mesmo susto que todo mundo que conhecia a banda do primeiro disco. Pediu que regravássemos, repensando os arranjos, com outro produtor".
"Acho que é coisa pessoal de João Augusto, de mostrar que tem poder", opina Neves. Aqui, ele se refere indiretamente a outro elemento de bastidor. A Folha insistiu em ouvir João Augusto, mas ele foi o único a recusar dar sua versão.
Camelo fala da atitude do grupo: "A gente disse que isso não fazia sentido. Dissemos que era um absurdo. O disco estava criado, os arranjos estavam feitos. Dissemos que não íamos regravar; nem a gravadora gostava do disco, nem a gente da idéia de regravar".

Capítulo 3
O impasse foi vencido quando a gravadora desistiu da regravação, mas impôs nova mixagem, a cargo de Marcelo Sussekind, produtor assíduo da casa. A banda acatou, mas com outro técnico, Vitor Farias.
Sussekind diz não discordar da gravadora: "Não tenho nada com Chico Neves, nem conversamos sobre isso ainda. Mas era impossível lançar o disco como estava. Tinha problemas sérios de sonoridades e timbres. Foi mal gravado".
Teria Neves, produtor experiente, errado a mão? "Não acho que alguém faça de propósito. É uma situação delicada, mas não anormal. Acontece no mercado", esquiva-se Sussekind. Neves critica: "Há artistas e grupos que se prestam ao comercialismo, mas querer destruir o que é oposto àquilo e tem extremo valor é uma falta absoluta de sensibilidade".
Sussekind alivia o terreno: "Refizemos alguma coisa, mas não mexemos em nada na concepção da produção". Amarante confirma: "O resultado final é exatamente o que a gente queria. Não existe diferença significativa entre como era e como ficou". Neves diz que ainda não ouviu.

Epílogo, por enquanto
Hora de divulgar o novo CD, Los Hermanos não dá corda a falatórios de rompimento ou saída da gravadora. "São suposições", diz Amarante.
O sucesso causa solidão? "A vida na estrada é igual à de um astronauta. Você se alimenta de pílulas, vê o mundo passar por você através de uma janela embaçada e os nomes se misturam com as fisionomias dentro da cabeça. Se bobear, ainda tem deterioração de ossos", compara Amarante.
Foi feito para não tocar no rádio, para não ter outra "Anna Júlia", para interromper a trajetória do astronauta rumo à perda de contato com a realidade? Amarante: "Não. Esse disco não é para destruir. Ao contrário, vai se potencializar se for escutado e tocar no rádio. É isso que nos interessa".
Camelo: "É a diferença entre a lógica comercial comum e a lógica artística acadêmica. Uma vê o risco como uma coisa ruim. A outra tem como objetivo subverter, instigar. O grande lance é cruzar as duas coisas".
A bola volta para a Abril Music, que fez o prodígio de estourar em rádios entidades como Harmonia do Samba, Falamansa, Twister, Maurício Manieri, Adryana & A Rapaziada e o próprio Los Hermanos, em fase mais Mamonas Assassinas e menos Mutantes.
"Adoro o disco, é muito bom. Nós queremos ajudar os meninos, mas eles têm de querer também", sentencia o chefão Marcos Maynard. Bem-vindos ao mundo do pop.




Texto Anterior: Crítica: Coragem e ousadia fazem mal a alguém?
Índice


Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.