São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2004

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Apagão

Divulgação
Jim Carrey em cena de "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças"


Roteirista Charlie Kaufman retrata o drama de um casal com as lembranças românticas

CHARLOTTE O'SULLIVAN
DO "INDEPENDENT"

Estou esperando pelo roteirista Charlie Kaufman, que está em turnê promocional do filme "Brilho Eterno de uma Mente Sem Lembranças", que estréia hoje no Brasil, um trabalho que trata, entre outras coisas, da impossibilidade de apagar o passado.
Ele é extra-normal, extraordinário, o roteirista a quem um sujeito recorre depois que todas aquelas superproduções o deixaram rico no banco, mas velho no coração. "Quero Ser John Malkovich" reinventou Malkovich e lançou luz nova sobre Cameron Diaz. "Adaptação" serviu para que todos lembrassem de que Nicolas Cage e Meryl Streep também tiveram um lado selvagem. Agora, "Brilho Eterno" expõe uma nova Kate Winslet.
O diretor, Michel Gondry, merece crédito, mas o que temos é o fator Kaufman e suas neuroses quadridimensionais em ação.
Quero saber se a carismática e demente heroína de "Brilho Eterno", Clementine (Winslet), foi baseada em uma antiga namorada. Ele responde que não. "Há uma pessoa com quem me relacionei e provavelmente acha que é Clementine", diz, sorrindo.
O roteirista se declara fascinado pela infidelidade e pela traição. "As pessoas vivem perdidas, solitárias", afirma, "E por isso se casam e descasam. Não estou oferecendo uma desculpa para as pessoas que têm casos, tampouco estou dizendo que praticar infidelidades é aceitável. Só sei que a vida muitas vezes nos arremessa a situações como essa."
Kaufman, na verdade, tem "alguém" em sua vida, e eles estão criando uma filha que em breve deve começar a estudar (o roteirista está angustiado quanto a selecionar uma escola).
Ganhar fama certamente não aumentou a resistência de Kaufman a críticas. Mas ele se mostra franco quanto a uma decepção anterior, em "Confissões de Uma Mente Perigosa". George Clooney, que estava à procura de um filme para dirigir, recebeu esse roteiro de Kaufman, que estava rodando pelos estúdios há anos, e a química que Kaufman desfruta com Spike Jonze e Gondry não se manifestou. Para dizer o mínimo.
Ironicamente, Clooney declarou que "A Natureza Quase Humana", roteiro de Kaufman dirigido por Gondry em 2001, não era um bom filme, e disse que o diretor não "compreendia" a escrita de Kaufman. Aparentemente, o contrário era verdade.
"Fui excluído do processo", diz Kaufman. "Ele seguiu meu roteiro de um jeito meio careta, mas isso é o que menos me importa. Não disse nada quando o filme saiu porque não queria prejudicar suas chances. Mas alguém me disse que tinha adorado "Confissões", e só me restava ou agradecer ou discordar."
Mas certamente não é bom ter Clooney como inimigo -o mundo dos filmes de arte produzidos por grandes estúdios é pequeno, e ele é um homem poderoso. "Mas essa é uma péssima razão para não ter alguém como inimigo!", diz Kaufman, agitado.
"Quero dizer, ele não é meu inimigo. Só não quero trabalhar de novo com ele. Ou Soderbergh, ou qualquer um daquelas caras. O ponto é que eu não gostaria de que o fato de que ele é poderoso importasse." Pequena pausa. "Está bem", admite, "talvez, se minha carreira desandar, ele possa dificultar as coisas para mim. Mas estou bem até agora. Clooney não me assusta. Não preciso dele."


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