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DRAUZIO VARELLA
HIV-positiva
Nenhuma doença infecciosa afetou tantas mulheres
como a Aids. Dos 40 milhões de
portadores do vírus que a Organização Mundial da Saúde estima
existirem, pelo menos 50% são
mulheres, e essa parcela não pára
de aumentar.
Nos países da África situados
abaixo do deserto do Saara, 60%
das infecções ocorrem no sexo feminino. Como o risco de adquirir
o vírus na faixa dos 15 aos 24 anos
é de três a seis vezes maior entre
as mulheres, na África do Sul, por
exemplo, uma em cada quatro
chega infectada aos 22 anos de
idade. No Brasil, a porcentagem
de mulheres que convive com o
HIV é a que mais cresceu na última década.
Quando surgiram os primeiros
casos da doença, no início dos
anos 1980, foram definidos alguns
"grupos de risco" para caracterizar aqueles mais expostos à infecção: homossexuais masculinos,
usuários de drogas injetáveis, receptores de transfusão de produtos sangüíneos. Essa denominação foi posteriormente abandonada, substituída por "comportamento de risco", expressão mais
precisa porque um usuário de
droga que compartilhe seringas
com dez companheiros HIV-negativos não adquire o vírus, enquanto uma senhora monogâmica corre risco com o marido infectado. Se ainda empregássemos o
termo antigo, no entanto, diríamos que hoje as mulheres fazem
parte dos "grupos de risco".
Do ponto de vista anatômico e
fisiológico, o sexo feminino é mais
suscetível à infecção pelo HIV pelas seguintes razões:
1) A vagina oferece ao vírus
uma superfície de contato mais
extensa do que a da mucosa do
pênis.
2) As mulheres estão sujeitas a
repetidas infecções ginecológicas
e a doenças sexualmente transmissíveis que abrem fissuras na
mucosa e atraem glóbulos brancos para defender o local. A existência dessas portas de entrada
para o HIV e a presença de glóbulos brancos (alguns dos quais
constituem as células-alvo do vírus) na vizinhança criam condições propícias à transmissão.
3) O uso de pílulas anticoncepcionais provoca modificações na
mucosa vaginal que facilitam a
penetração do HIV.
4) Adolescentes constituem a
subpopulação feminina mais vulnerável -não apenas pelo eventual comportamento de risco mas
pelas alterações inflamatórias do
colo uterino características da
imaturidade dos órgãos genitais
nessa fase da vida reprodutiva.
5) Estudos recentes mostraram
que o risco de transmissão do HIV
do homem para a mulher duplica
durante a gravidez e o pós-parto.
Mais influentes do que os detalhes anatômicos e a fisiologia reprodutiva, as condições sócioeconômicas conspiram a favor da
transmissão preferencial do HIV
para o sexo feminino. A dependência financeira e a tradicional
submissão às regras estabelecidas
pelos homens, dominadores na
maioria das sociedades, colocam
as mulheres em posição de desvantagem para exigir de seus parceiros a prática de relações sexuais seguras.
A rejeição sistemática ao uso do
preservativo, a poligamia e o gosto dos homens por mulheres jovens, sexualmente imaturas, portanto, mais vulneráveis, completam o cenário para a propagação
da epidemia feminina.
A infecção pelo HIV impõe à
portadora o dilema de depender
financeiramente do homem que a
infectou ou ter de ganhar a vida
por conta própria para manter a
si mesma e os filhos a seu encargo.
O medo de deixá-los órfãos e do
desemprego, bem como o estresse
gerado pela insegurança da situação, é responsável pela alta prevalência de quadros de depressão e
de distúrbios de ansiedade descritos entre HIV-positivas.
Mesmo as mais privilegiadas,
sem aflições financeiras, socialmente respeitadas, vivem a angústia de decidir: revelar a realidade e enfrentar o preconceito da
maioria ou escondê-la e ficar isolada, sem ter com quem compartilhar as dificuldades enfrentadas.
A experiência mostra que a
maioria escolhe a segunda opção.
E paga o preço de ser obrigada a
trancar-se no banheiro para tomar remédio, a esconder frascos
de medicamentos como se fossem
drogas ilícitas, a mentir no trabalho para ir ao médico, a viver o
medo de ser reconhecida nas salas
de espera.
Desiludidas, muitas jovens infectadas abrem mão da vida sexual e da perspectiva de maternidade. As que não se conformam
com tal sorte, como devem agir?
Usar preservativo sempre, mas
contar a verdade ao pretendente
antes da primeira relação sexual
ou apenas mais tarde em caso de
envolvimento?
Na primeira hipótese, é quase
certo que ele se afastará de imediato e, mais grave, dificilmente
guardará segredo; em pouco tempo, o boato se espalhará.
Na segunda, a mulher só revelará sua condição quando estiver
apaixonada, segura de que é correspondida e de que vale a pena
preservar aquele relacionamento.
Mas qual será a reação do companheiro? Saberá compreender?
Ou julgará que foi traído?
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