São Paulo, segunda-feira, 23 de julho de 2007

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Corpo bruto

Companhia mineira abandona o lirismo e estréia "Breu" , sua coreografia mais violenta , elaborada a partir de trilha sonora de Lenine

José Luiz Pederneiras/Divulgação
Bailarinos em cena de "Breu', que tem coreografia de Rodrigo Pederneiras, trilha de Lenine (criada especialmente para a companhia) e cenografia e iluminação do diretor artístico Paulo Pederneiras

RAQUEL COZER
ENVIADA ESPECIAL A BELO HORIZONTE

De tanto lapidar, o Corpo ficou bruto. E dessa incoerência nasceu "Breu", a coreografia que a companhia mineira estréia dia 1º de agosto, no teatro Alfa, em São Paulo.
Se obras anteriores passeavam por algum lugar entre o regionalismo, o lirismo e a sensualidade, na 30ª criação de Rodrigo Pederneiras predomina a violência. É um percurso praticamente sem saída, em que trejeitos bruscos, choques e quedas são inevitáveis.
A mais urbana das coreografias do grupo -na opinião de Rodrigo, 52, e de seu irmão, o diretor artístico Paulo Pederneiras, 56-, tomou forma depois que Lenine entregou 50 minutos (depois reduzidos a 40) de sua primeira trilha para um grupo de dança.
O que foi, na verdade, o primeiro paradoxo desta história: o gestual agressivo redundou da proposta inicial do músico pernambucano de criar a partir de sons de brinquedos.
"Eu não tinha noção nenhuma. Disse para Lenine: "Faz o que quiser". A idéia de falar sobre violência, disputa, surgiu quando comecei a escutar. Ele puxou naturalmente para esse lado, e aproveitei para fazer isso", conta o coreógrafo.
Rodrigo foi quem escolheu o compositor para integrar o rol de artistas que já criaram para o Grupo Corpo, do qual constam nomes como Tom Zé, Caetano Veloso, Arnaldo Antunes e José Miguel Wisnik.
Dos brinquedos "de madeira, pilha, corda, de todo o tipo" catalogados em seu "banco de ruídos", Lenine foi bolando sua obra "artesanal, intuitiva", com oito movimentos "que dessem subsídios rítmicos e melódicos para estimular o gestual". Para leigo entender, isso deu em coisas como a espécie de frevo em que desponta a bateria de Iggor Cavalera (ex-Sepultura).
O resultado, para Lenine, foi música em 3D. "Acompanhei ensaios e foi impactante. Pela primeira vez, eu vi a música que eu faço. O Rodrigo respeitou todas as nuances e o relevo da minha música. Música para mim é algo bidimensional, são duas orelhas, é o lado direito e o lado esquerdo, não está associada à visão, entende? Mas, ali, eu vi os meus arranjos no tridimensional", conta.

Passar por cima
"Breu" é a mais violenta [coreografia do Corpo]. Ela traz o tempo todo a sensação de choque, de disputa, de passar por cima a qualquer custo. Ela é difícil, mas é assim que funciona. Quando eu estava criando "Onqotô" [de 2005, que já tinha movimentos vigorosos], também pensava: "Não dá pra dançar isso". Hoje a gente faz com um pé nas costas", diz Rodrigo.
A coreografia se passa quase toda pouco acima do chão, com corpos rasteiros que usam inclusive ombros e calcanhares para se mover. Rodrigo não enxerga ali nada de sensual -nem no pas-de-deux em que um casal, em disputa ferrenha, se arrasta e luta por equilíbrio, em meio a bailarinos que suspendem uns aos outros, inertes. "Não é para ser sensual.
Aquele duo, aquilo ali é uma pancada. É um contraste total de pessoas entregues umas às outras, quase líricas, enquanto rola aquela baixaria ali no chão", diz. Opinião diferente da de seu irmão Paulo, que vê "um outro tipo de sensualidade" naquele momento.

Sem saída
O nome "Breu" custou a sair, diz Rodrigo. "É um pouco a escuridão quando você não tem uma luz no fim do túnel. O início é o final, é uma coisa sem saída, uma idéia de correr atrás do próprio rabo", afirma.
No programa e nos cartazes, o nome aparece em branco sobre o fundo preto, em letras que lembram carreiras de cocaína.
Paulo, que além de cuidar da cenografia e da iluminação participa da programação visual, foi quem sugeriu a remissão.
"Eu queria que lembrasse uma coisa de drogas, mas que não fosse muito explícito. Tem a ver com essa violência toda, com essa coisa do mundo em que a gente vive hoje", avalia.
O cenário, inspirado na caixa preta do palco e composto basicamente por um fundo negro, azulejado, brilhante, reflete a ausência ("de cor, de luz, de tudo") contemporânea. Dele surgiu o figurino, com grafismos na frente e costas pretas, também reluzentes.
A coreografia "Sete ou Oito Peças para um Balé", de 1994, composta por Rodrigo e com música do americano Philip Glass e do grupo Uakti, completa o programa, que depois de São Paulo segue para o Rio (16 a 19/8, no Teatro Municipal), Brasília (31/8 a 3/9, no teatro Nacional) e Belo Horizonte (6 a 10/9, no Palácio das Artes).
O Grupo Corpo só volta ao Brasil em novembro, para apresentações em Curitiba e em Porto Alegre. No meio tempo, percorre a França e a Espanha em turnê, com "Onqotô" e "Breu". Mantém, assim, aos 32 anos de existência, sua posição de mais famosa companhia brasileira no exterior -no ano passado, de um total de 94 apresentações, 62 foram em terras estrangeiras.

A jornalista RAQUEL COZER viajou a convite do Grupo Corpo.

BREU
Quando:
de 1º a 5/8 e de 8 a 12/8; qua. a sáb., às 21h, dom., às 18h
Onde: teatro Alfa (r. Bento Branco de Andrade Filho, 722, SP, tel. 0/xx/11/ 5693-4000)
Quanto: R$ 30 a R$ 80


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