São Paulo, sexta-feira, 23 de julho de 2010

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CRÍTICA DRAMA

Voltando a Mussolini, diretor analisa a insânia da direita da Itália sob Berlusconi

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

A principal cena do filme "Vincere" pode dar a impressão, ao primeiro olhar, de um lugar-comum: alguém coloca um bilhete dentro de uma garrafa e a joga na água, como um náufrago. Essa primeira impressão será enganosa.
Quem atira a garrafa não é um náufrago, mas Ida Dalser, ex-amante do italiano Benito Mussolini, no momento do seu gesto recolhida a um hospício.
É do drama dessa mulher que o filme se ocupa em primeiro lugar: Ida Dalser tem um filho do Duce, reconhecido por ele e inclusive levando seu próprio nome.
Mas Ida deve ser esquecida, primeiro porque Mussolini é casado, segundo porque esse caso amoroso conflita com suas ambições políticas.
Quando ele chega ao poder, Ida é afastada do homem que ama perdidamente. Perdidamente não é uma palavra lançada ao acaso: todo seu esforço é de entrar em contato com o ex-amante.
E quando uma mulher internada num hospício na Itália, nos anos 1920, diz que é mulher do Duce, não torna sua vida mais fácil. Mas estamos no século 21.
E quem manda na Itália é o império Berlusconi de comunicação. Silvio Berlusconi é o primeiro-ministro. Ou seja: lá deu certo uma operação que aqui nunca colou, de unir poder midiático e poder político.
Com Berlusconi, a direita e um sentimento nacionalista tipo século 19 (tipo Mussolini) voltaram ao controle.

LOUCURA PENINSULAR
E Marco Bellocchio, que já havia contemplado a insânia da esquerda italiana ("Bom Dia, Noite", 2003) desta vez observa a outra face da loucura peninsular: a da direita.
E os atos da direita, de Mussolini no caso, passam pela ambição pessoal desmedida: o líder socialista torna-se nacionalista pouco antes da Primeira Guerra e logo fará carreira no chauvinismo.
Como parte obrigatória de sua ditadura, Ida deve ser reduzia ao silêncio: incomunicável. É como se sentem as pessoas (as que não aderiram a Berlusconi, em todo caso) na Itália de hoje. Resta-lhes a garrafa a jogar no oceano: o cinema. Um veículo hoje frágil em termos de comunicação.
Como nem sempre foi assim, Mussolini documentou exemplarmente o fascismo ("O cinema é a arma mais forte", palavras do próprio). Essa documentação ajuda Bellocchio a transitar entre o passado e o presente, entre 1920 e o ano 2000 com desenvoltura (o uso de documentos permite traçar analogias entre duas épocas de certa forma tão diferentes).
Talvez Mussolini fosse só um louco tomado pela grandeza que pensasse que era Mussolini (como sugerem as imagens finais); Berlusconi não tem nada com isso.
Por fim, este filme tão operístico é feito de oposições de luz e sombra. Quantas vezes veremos a silhueta escura dos atores (e da atriz), sob uma luz que a ofusca? É dessa luz maligna que fala o filme. Luz que, para existir, destina à escuridão e ao silêncio o que aparece à sua frente.


VINCERE

DIREÇÃO Marco Bellocchio
PRODUÇÃO Itália/França, 2009
COM Giovanna Mezzogiorno, Filippo Timi e Fausto Russo Alesi
ONDE Cinesesc
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo




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