|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
CRÍTICA DRAMA
Voltando a Mussolini, diretor analisa a insânia da direita da Itália sob Berlusconi
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
A principal cena do filme
"Vincere" pode dar a impressão, ao primeiro olhar, de um
lugar-comum: alguém coloca um bilhete dentro de uma
garrafa e a joga na água, como um náufrago.
Essa primeira impressão
será enganosa.
Quem atira a garrafa não é
um náufrago, mas Ida Dalser, ex-amante do italiano
Benito Mussolini, no momento do seu gesto recolhida
a um hospício.
É do drama dessa mulher
que o filme se ocupa em primeiro lugar: Ida Dalser tem
um filho do Duce, reconhecido por ele e inclusive levando
seu próprio nome.
Mas Ida deve ser esquecida, primeiro porque Mussolini é casado, segundo porque
esse caso amoroso conflita
com suas ambições políticas.
Quando ele chega ao poder, Ida é afastada do homem
que ama perdidamente. Perdidamente não é uma palavra lançada ao acaso: todo
seu esforço é de entrar em
contato com o ex-amante.
E quando uma mulher internada num hospício na Itália, nos anos 1920, diz que é
mulher do Duce, não torna
sua vida mais fácil.
Mas estamos no século 21.
E quem manda na Itália é o
império Berlusconi de comunicação. Silvio Berlusconi é o
primeiro-ministro.
Ou seja: lá deu certo uma
operação que aqui nunca colou, de unir poder midiático e
poder político.
Com Berlusconi, a direita e
um sentimento nacionalista
tipo século 19 (tipo Mussolini) voltaram ao controle.
LOUCURA PENINSULAR
E Marco Bellocchio, que já
havia contemplado a insânia
da esquerda italiana ("Bom
Dia, Noite", 2003) desta vez
observa a outra face da loucura peninsular: a da direita.
E os atos da direita, de
Mussolini no caso, passam
pela ambição pessoal desmedida: o líder socialista torna-se nacionalista pouco antes
da Primeira Guerra e logo fará carreira no chauvinismo.
Como parte obrigatória de
sua ditadura, Ida deve ser reduzia ao silêncio: incomunicável. É como se sentem as
pessoas (as que não aderiram a Berlusconi, em todo
caso) na Itália de hoje.
Resta-lhes a garrafa a jogar
no oceano: o cinema. Um veículo hoje frágil em termos de
comunicação.
Como nem sempre foi assim, Mussolini documentou
exemplarmente o fascismo
("O cinema é a arma mais forte", palavras do próprio).
Essa documentação ajuda
Bellocchio a transitar entre o
passado e o presente, entre
1920 e o ano 2000 com desenvoltura (o uso de documentos permite traçar analogias
entre duas épocas de certa
forma tão diferentes).
Talvez Mussolini fosse só
um louco tomado pela grandeza que pensasse que era
Mussolini (como sugerem as
imagens finais); Berlusconi
não tem nada com isso.
Por fim, este filme tão operístico é feito de oposições de
luz e sombra. Quantas vezes
veremos a silhueta escura
dos atores (e da atriz), sob
uma luz que a ofusca?
É dessa luz maligna que fala o filme. Luz que, para existir, destina à escuridão e ao
silêncio o que aparece à sua
frente.
VINCERE
DIREÇÃO Marco Bellocchio
PRODUÇÃO Itália/França, 2009
COM Giovanna Mezzogiorno,
Filippo Timi e Fausto Russo Alesi
ONDE Cinesesc
CLASSIFICAÇÃO 16 anos
AVALIAÇÃO ótimo
Texto Anterior: Bellocchio diz que revolta é destrutiva Próximo Texto: Última Moda - Vivian Whiteman: Garota da capa Índice
|