São Paulo, sábado, 23 de julho de 2011

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CRÍTICA ENSAIO

Inteligência sutil e discordante marca os textos do francês Maurice Blanchot

ALCIR PÉCORA
ESPECIAL PARA A FOLHA

Dois livros do crítico, jornalista e filósofo Maurice Blanchot (1907-2003) acabam de ser relançados no Brasil, pela Rocco.
"A Parte do Fogo" (1949), que contém o seu ensaio mais celebrado, "A Literatura e o Direito à Morte", e ainda "O Espaço Literário" (1955).
Lidos hoje, parece tão verdadeiro dizer que uma lâmina do tempo os recobriu como que esta lhes deu também a forma admirável de uma beleza gasta.
São livros aptos a fazer perguntas próprias a poetas extraordinários.
Por exemplo, a Hölderlin (1770-1843): "De que maneira o Sagrado, que é 'inexpresso', ' desconhecido' (...), pode cair na palavra (...)?"; a Rainer Maria Rilke (1875-1926): "O que acontece quando (...) descemos para esse espaço imaginário que é a intimidade do coração?"; a Charles Baudelaire (1821-1867): "Por que (...) foi um grande poeta?"; a Mallarmé: "Onde começa a literatura?"
E as respostas que dá jamais são insignificantes, como as que costumam acompanhar perguntas como "o que é a literatura?".
O segredo de Blanchot é a inteligência sutil e discordante, que não se detém diante do paradoxo, da ambiguidade ou da impossibilidade.
Ao contrário, avança com determinação até que alguma dessas figuras paralisantes se apresente, e então, diante delas, como jogador temerário, abre o seu tabuleiro de xadrez.
É como se, para ele, a contradição fosse a única forma possível das coisas pensadas fora da banalidade.

FRAQUEZAS CABAIS
É notável a tranquilidade com que Blanchot examina estudos e obras de Valéry (1871-1945), Heidegger (1889-1976), Sartre (1905-1980) e outros, fazendo saltar à vista fraquezas cabais.
Por exemplo, é difícil não rir quando reapresenta a questão do comando de Kafka para destruir a sua obra.
Ou quando, ao examinar a questão do fracasso de Baudelaire, que, segundo Sartre, foi merecido, Blanchot lembra que, a ser assim, também o magnífico sucesso de "As Flores do Mal", às quais servia o fracasso, foi merecido.
Mas a questão que Blanchot investe de máxima significação na investigação da natureza da obra literária é a de que, ao nomear, ela suspende a referência objetiva para se constituir em sentido na linguagem.
Entretanto a própria linguagem (o que se evidencia por seu aspecto irredutivelmente físico) se revela não apenas como sentido, mas como coisa que participa da realidade inicial que dissolvera. Não há assim, portanto, repouso.
O ser que habita o processo literário apenas perdura em perpétua metamorfose: ausência/ presença; supressão/objetivação etc.
Por isso mesmo, na literatura, "autor, leitor, ninguém é dotado, e aquele que se sente dotado sente sobretudo que não o é, sente-se infinitamente desprovido...".
Ou, de outra forma, "a literatura é o lugar das contradições e dos desacordos. O escritor mais ligado à literatura é também o mais inclinado a se livrar dela".
Hoje tais questões têm seu tanto de lugar comum, mas são também tópicas de qualquer crítica inteligente.

ALCIR PÉCORA é professor de teoria literária na Unicamp.

A PARTE DO FOGO
AUTOR Maurice Blanchot
EDITORA Rocco
TRADUÇÃO Ana Maria Scherer
QUANTO R$ 46 (352 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo

O ESPAÇO LITERÁRIO
AUTOR Maurice Blanchot
EDITORA Rocco
TRADUÇÃO Álvaro Cabral
QUANTO R$ 39,50 (304 págs.)
AVALIAÇÃO ótimo




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