São Paulo, Sexta-feira, 23 de Julho de 1999
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Documentários curtos revelam universos ameaçados

da Equipe de Articulistas

O Espaço Unibanco de Cinema passa a exibir a partir de hoje, sempre às 18h, quatro documentários de curta-metragem, dentro do projeto Curta às Seis.
Vistos em conjunto, eles fornecem uma boa idéia da importância do gênero como instrumento de resistência da memória contra a destruição do patrimônio material e imaginário da humanidade.
Os quatro curtas, curiosamente, foram realizados ao norte do eixo Rio-São Paulo, e pelo menos três deles tratam de universos ameaçados de extinção.
"O Capeta Caribé", de Agnaldo Siri Azevedo, dedicado ao artista argentino radicado na Bahia, fala de uma Salvador mítica e mágica em vias de destruição pelo crescimento caótico da cidade.
"Maracatu, Maracatus", do pernambucano Marcelo Gomes, aborda uma manifestação cultural popular posta em xeque pelo avanço da cultura urbana.
Já em "Histórias de Avá - O Povo Invisível", de Bernardo Palmeiro, é todo um povo -os índios avá- que resiste ao desaparecimento.
O quarto filme do lote, "Simião Martiniano, o Camelô do Cinema", de Hilton Lacerda e Clara Angélica, trata de um cineasta semi-analfabeto, que realiza longas-metragens em vídeo (antes, usava o super-8) e trabalha como camelô num mercado de Recife.
Os quatro filmes revelam também uma notável (e saudável) pluralidade de maneiras de registrar e problematizar o real.
Mesmo o documentário mais convencional do lote, "Histórias de Avá" -que se baseia largamente em depoimentos e na locução de um texto explicativo-, atinge momentos de poesia cinematográfica ao usar o pungente relato de uma velha índia sobreposto a uma ilustração gráfica do fato narrado: a destruição da aldeia e a morte de seus pais.
Aprendemos, vendo o filme, que os avá passaram por um curioso processo de evolução, tendo que se transformar em nômades do cerrado e violar princípios de sua cultura para sobreviver e manter sua identidade.
"O Capeta Caribé", por sua vez, centra-se nas imagens da obra do artista e dos ambientes baianos que a inspiraram, sob os textos, em primeira pessoa, do próprio Caribé e de Jorge Amado.
O resultado é um desdobramento da arte de Caribé: a celebração de uma Bahia sensual e mítica, plena de cor, movimento e religiosidade. Os "chato boys" da universidade talvez o tachem de turístico e folclorizante. Mas só as pedras ficarão imunes a tanta força, beleza e elegância.
"Simião Martiniano" fala de uma outra cultura popular, surgida na confluência entre a miséria urbana e a indústria cultural.
Um dos achados do filme é o de usar o próprio Martiniano como narrador de sua história, dramatizada em cenas tão simplórias e pueris como os trechos que vemos de seus filmes.
Estes, com títulos como "O Vagabundo Faixa-Preta" e "A Rede Maldita", misturam melodrama e artes marciais. São esteticamente paupérrimos, mas revelam mais sobre o imaginário popular do que uma biblioteca inteira de tratados acadêmicos.
O curta que mais problematiza a própria natureza do documentário é "Maracatu, Maracatus", cujas primeiras imagens mostram um mestre do maracatu recusando-se a ser filmado. A partir daí, o filme constrói-se como uma ficção que mimetiza o documentário, com resultado irregular, mas inquietante. (JGC)


Avaliação:    

O quê: Curta o Documentário Onde: Espaço Unibanco, sala 4, às 18h (r. Augusta, 1.470, tel. 0/xx/11/288-6780, São Paulo)

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