São Paulo, Sexta-feira, 23 de Julho de 1999
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TEATRO CRÍTICA
"Três Irmãs" mostra o verso do tédio em Tchecov

NELSON DE SÁ
da Reportagem Local

O que define "As Três Irmãs", de Anton Tchecov, em nova montagem, é a atuação de um homem, num papel menor. Fernando Alves Pinto poderia fazer, como é corrente com Solyony (uso a grafia de uma tradução para o inglês), seu capitão do exército russo, uma caricatura do mal.
Ele cerca Irina, a mais jovem, com suas maneiras estranhas, sua imposição ameaçadora e violenta. O que se costuma ver é um Solyony que passa incômodo, mas quase despercebido, até matar o futuro marido de Irina -e selar o destino de frustração das irmãs.
Mas Fernando Alves Pinto/Solyony começa a desenhar em cena. Sem palavras, em vez de nada fazer, ele desenha comentários à peça, todos irônicos, alguns hilariantes. A sua voz descabida, entrando no meio dos diálogos, vai acumulando nonsense.
E assim "As Três Irmãs" apresenta Tchecov como autor pleno -sem se prender ao modelo do tédio cotidiano, regra nas montagens. Isso se dá por opção da encenação de Bia Lessa, que foge da alternativa fácil, melodramática.
Também por sua boa edição, menos nos cortes e mais na definição de ritmo do espetáculo, em que a ação alimenta os personagens e vice-versa -o que é inspirado, é flagrante, pela tradução de Zé Celso, feita para ser falada, com sabor nas palavras, cor nos personagens.
Não é verdade que esta seja a versão integral da peça. Há cortes até demais, o que fragiliza alguns personagens, como Andrei -ao que parece, em troca de duração menor. Mas este é o melhor, o mais satisfatório espetáculo tchecoviano das últimas temporadas.
De maneira tão acentuada quanto no personagem de Fernando Alves Pinto, a Natasha de Ana Beatriz Nogueira surge outra: é uma revelação o quanto a cunhada cruel, aproveitadora e algo torturadora das três irmãs, carrega de humor. Não só: como contraponto às três irmãs, ela se agiganta aos poucos em sensualidade e poder, a ponto de vencê-las inapelavelmente, no final.
Das irmãs, é desalentador ver que Masha, precisamente aquela que responde pelo motor de desejo de "As Três Irmãs", sai devendo, ainda uma vez. Deborah Evelyn, no papel, está longe de demonstrar paixão por Vershinin -ele também, aliás, apagado.
Renata Sorrah, já um pouco fora do personagem de Olga, a irmã mais velha, mostra maior fervor tanto na comédia como no drama, no final. Betty Goffman, a jovem Irina, é de um tempo cômico invejável. Ela leva a peça com o talento das grandes comediantes: salta com facilidade da farsa para a tragédia, faz a primeira estimular a segunda, sem jamais se deixar derrubar por uma ou outra.
É, em tal qualidade, como uma criança -o que acaba vestindo com perfeição, e inesperadamente, a jovem e sacrificada Irina.
Tal salto, da comédia para a tragédia, não foi alcançado inteiramente pela montagem. Com o texto completo, talvez se aprofundassem outros personagens e se descobrisse também, atrás de seu drama cotidiano, a tragédia.


Avaliação:     


Peça: As Três Irmãs
Autor: Anton Tchecov
Direção: Bia Lessa
Com: Renata Sorrah, Deborah Evelyn, Betty Goffman, Ana Beatriz Nogueira
Quando: qui a sáb, às 20h30; dom, às 18h Onde: Teatro Popular do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/284-3639)
Quanto: grátis (retirar o convite com uma hora de antecedência)


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