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Livros
"USP é templo da vigarice", diz Olavo
Polemista relança "O Imbecil Coletivo", ataca intelectuais paulistas e culpa EUA pela "proliferação de tipinhos como Lula'
Para autor, quem ainda tem fibra para ser conservador está fora da política, seja por falta de vocação, seja por uma questão de higiene
MARCOS AUGUSTO GONÇALVES
EDITOR DA ILUSTRADA
Reunião de textos do jornalista, filósofo e polemista Olavo
de Carvalho, "O Imbecil Coletivo" está sendo relançado. É o
primeiro de um conjunto de
três volumes que o autor pretende editar. O livro, que completa dez anos, ataca o pensamento de esquerda que seria
hegemônico no meio cultural
do país e, sem torneios, sustenta argumentos conservadores
ou de direita. Desde 2005, Olavo mora nos EUA, em Richmond, perto de Washington.
Nesta entrevista, feita por e-mail, ele dispara contra intelectuais da USP, considera que os
tucanos são responsáveis pela
ascensão do petismo e diz que
também existe um imbecil coletivo direitista.
FOLHA - Como o sr. avalia o discurso de alguns intelectuais históricos
do PT, como a filósofa Marilena
Chaui, que procura relativizar a
questão ética na política? O mesmo
tema, de certa forma, havia sido
proposto pelo filósofo tucano José
Arthur Giannotti.
OLAVO DE CARVALHO - Quando essa gangue uspiana começou a
"campanha pela ética na política", uma década e meia atrás, já
anunciei que era tudo uma empulhação destinada a entregar
o poder total à esquerda, usando e prostituindo a indignação
moral do povo com os miúdos
corruptos da época para encobrir a montagem da maior máquina de corrupção de todos os
tempos.
Os tucanos estão hoje com
choradeira, mas eles são amplamente culpados pela ascensão do petismo, do qual foram
cúmplices na "estratégia das tesouras" calculada para suprimir da política todas as demais
correntes e dividir o bolo entre
os dois partidos nascidos da
USP. O que quer que venha da
boca de Chauis e Giannottis é
sempre camuflagem, pose, hipocrisia. Essa gente já deveria
estar embalsamada faz muito
tempo em alguma espécie de
IML intelectual. Cansei de ouvir besteira. "Intelectual de esquerda", seja tucano, petista ou
qualquer outra porcaria, tem
para mim a confiabilidade de
uma nota de R$ 32.
A USP sempre foi o templo da
vigarice intelectual, e o sujeito
que começa com safadeza no
campo das idéias acaba sempre
inventando algum mensalão
para se remunerar do esforço
de embrulhar a platéia. Os tucanos ainda podem se redimir
do mal que fizeram. A carta de 7
de setembro do ex-presidente
Fernando Henrique é um bom
começo, mas é preciso um arrependimento mais fundo e uma
tomada de posição mais clara.
Não adianta querer um "choque de capitalismo" quando ao
mesmo tempo se cortejam
"movimentos sociais" cujos
programas "politicamente corretos" exigem sempre maior
controle estatal da sociedade.
Um capitalismo assim acaba virando capitalismo chinês.
FOLHA - O governo Lula é de direita
ou de esquerda? Quais são no seu
entender os traços que distinguem,
hoje, esquerda e direita?
CARVALHO - Esquerda é toda
corrente que legitima suas pretensões ambiciosas em nome
de um futuro hipotético. Direita é quem legitima promessas
modestas com base na experiência passada. No Brasil, só
quem tem alguma experiência
bem-sucedida para ensinar são
os remanescentes do governo
Médici que fizeram o país crescer 15% ao ano. Estão todos nonagenários ou irrevogavelmente falecidos.
Como ninguém absorveu sua
lição, não há mais direita no
Brasil. Há apenas diferentes
graus de esquerdismo, desde o
histerismo fanfarrão do PSOL
até as afetações oportunistas de
políticos ideologicamente inócuos que acham bonito posar
de politicamente corretos, como esse ridículo governador de
São Paulo. Direita, conservadorismo genuíno, é a síntese inseparável dos seguintes elementos: liberdade de mercado, valores judaico-cristãos, cultura
clássica, democracia parlamentar e império das leis. O resto é
comunismo, fascismo, nazismo, anarquismo, tecnocracia,
"socialismo light", o museu inteiro do besteirol político.
No Brasil, quem ainda tem fibra para ser conservador está
fora da política, seja por falta de
vocação, seja por uma questão
de higiene. O Brasil ainda tem
alguns bons líderes empresariais e estudiosos de campos diversos, e acho um sacrifício admirável, mas inútil, que homens bons larguem suas ocupações produtivas para arriscar
a sorte numa política eleitoral
que virou uma disputa interna
no galinheiro esquerdista -cada galinha, é claro, chamando
as outras daquilo que no seu
entender é a pior das ofensas:
"Direitistas!"
FOLHA - O pensamento de direita
ganha fôlego no mundo contemporâneo. Nesse contexto, podemos falar na emergência de um imbecil coletivo de direita?
CARVALHO - Sem a menor sombra de dúvida. O triunfalismo
capitalista subseqüente à queda da URSS produziu bibliotecas inteiras de utopismo tecnocrático-financeiro globalista
que o 11 de Setembro reduziu a
pó, mas do qual muitos cérebros de fantasmas ainda se alimentam nos EUA. A marca inconfundível do imbecil coletivo
direitista é a negação de que
existam direita e esquerda. O
típico doutrinário dessa corrente se coloca numa torre de
marfim supra-ideológica, de
onde acredita que pode resolver tudo na base da grana. A impotência sempre gera o delírio
de onipotência. Praticamente
toda a política externa americana da última década e meia se
baseou nessa estupidez, e o resultado dela é a proliferação de
tipinhos como Lula, Chávez,
Morales e "tutti quanti".
FOLHA - Como o sr. avalia a declaração do papa sobre o Islã e as reações contrárias? O sr. crê em algo como "choque de civilizações?"
CARVALHO - Dizem que há um
conflito entre o Islã e o Ocidente. Mas qual Ocidente? O Ocidente religioso, judaico-cristão, ou o Ocidente revolucionário, ateu, materialista? Este último está obviamente do lado
dos terroristas, e é ele mesmo
quem alardeia o slogan do
"conflito de civilizações" para
camuflar a guerra de vida e
morte que, por meios diversos e
aparentemente inconexos, se
move contra os judeus e os cristãos no Islã, nos países comunistas e no próprio Ocidente capitalista.
O número de cristãos inocentes e desarmados que vêm
sendo assassinados no Sudão,
no Vietnã, na Coréia do Norte e
na China é cem vezes maior do
que a quantidade de vítimas civis da Guerra do Iraque, e a mídia chique inteira, incluindo este jornal, não diz uma palavra
contra isso. Nem noticia. Ao
mesmo tempo, leis draconianas para suprimir a liberdade
de expressão religiosa são adotadas na Europa e nos EUA,
mas jamais aplicadas aos muçulmanos locais. É esse o "Ocidente" que se pretende defender contra o Islã? Tudo isso é de
uma falsidade monstruosa.
Não há uma guerra de civilizações, mas duas guerras superpostas, uma do Islã contra o
globalismo ocidental, outra de
ambos (e da esquerda internacional) contra a civilização judaico-cristã.
FOLHA - E quanto ao papa?
CARVALHO - O discurso em Regensburg, não foi sobre o Islã.
Este foi mencionado como gancho para a questão central, que
era a necessidade de uma teologia racional, já mil vezes reiterada pela Igreja. As afirmações
do imperador Manuel 2º, o Paleólogo, citadas no discurso foram três: 1) O Islã adotou a violência como método legítimo
de conversão. 2) Essa foi a única novidade religiosa trazida
pelo Islã. 3) Converter por
meio da violência é errado: a
conversão deve-se alcançar por
meio da persuasão racional.
A terceira afirmativa é analisada extensamente no restante
do discurso. As duas primeiras
foram citadas de passagem só
para mostrar o contexto histórico da discussão e em seguida
deixadas de lado. Ao concentrar seus ataques numa delas,
os críticos muçulmanos e os
não-muçulmanos anticristãos
mostraram incapacidade ou
falta de disposição de distinguir
entre a menção casual à fala de
um terceiro e a opinião formalmente expressa do orador. São
burros, desonestos ou ambas as
coisas.
Mas o papa também não foi
muito hábil nas explicações
que deu para acalmar os nervosinhos. Ao dizer que a citação
de Manuel 2º não expressa sua
opinião pessoal, ele deixou uma
perigosa ambigüidade no ar,
pois as três asserções formais
contidas nessa citação são totalmente independentes entre
si, e não é possível que Bento 16
concorde ou discorde das três
uniformemente.
A primeira é simples expressão de um fato universalmente
reconhecido, e o papa, mesmo
que não estivesse interessado
em tomá-la como tema do seu
discurso, como de fato não tomou, não poderia discordar dela de maneira alguma.
A segunda, na mesma medida, é totalmente falsa. O Islã
trouxe uma infinidade de inovações, entre as quais a mais espetacular de todas é ser o primeiro e único direito penal religioso destinado a aplicar-se à
humanidade inteira e não só a
uma nação em particular. Isso
constitui a diferença específica
do Islã, e sem isso a sua pretensão de ser uma revelação nova e
autônoma perderia o seu argumento mais forte.
A terceira é o simples resumo
de uma doutrina tradicional da
Igreja, e o papa não poderia discordar dela. Em suma, Bento 16
só pode e aliás deve estar em
discordância com Manuel 2º
quanto à segunda afirmação,
um erro histórico perdoável na
Idade Média, mas que hoje em
dia seria intolerável mesmo
num estudante. O único ponto
do discurso papal que poderia
ferir a honra dos muçulmanos é
um erro que o orador não endossou nem poderia ter endossado, sendo o erudito que é.
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