São Paulo, quinta-feira, 23 de setembro de 2010

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FERRAN ADRIÁ CHEF

Não existe comida estranha, existe gente estranha

Chef fala sobre seu novo projeto, um espaço de criatividade na Espanha, que substituirá o El Bulli

ROBERTO DIAS
ENVIADO ESPECIAL A ROSES (ESPANHA)

O melhor cozinheiro da década não quer mais ser cozinheiro. Pelo menos não como foi até agora.
"Seria muito chato", diz Ferran Adrià, 48. No ano que vem, ele fecha o portão do restaurante El Bulli para reabri-lo em 2014, como outra coisa. Mas que outra coisa?
Como um centro que não será de cozinha, segundo definiu o chef espanhol à Folha, e sim de criatividade. "A cozinha é o meio."
Adrià engata uma segunda explicação: não será uma escola, e sim um "museu" onde "a missão é criar".
É o contrário do que ocorre no restaurante. "As pessoas verão o conhecimento, e não a experiência."
Mas ele servirá comida? "Algum dia", diz Adrià. Como? "Não sei."
Uma coisa, sim, ele sabe: acabará uma das mais disputadas listas de reservas do mundo gastronômico, superada por só 50 pessoas ao dia entre junho e dezembro.
Esse funil conduz à casa que ganhou cinco vezes o título de melhor do mundo da revista "Restaurant" e que ficou em segundo na premiação deste ano, que deu a Adrià a distinção da década.
Com o projeto, acha que mais gente entrará ali -isso depois de percorrer uma estrada sinuosa na Costa Brava catalã até a cala Montjoi, uma enseada paradisíaca a duas horas de Barcelona.
Os visitantes verão não só a equipe de Adrià como 25 bolsistas, nem todos cozinheiros. "Queremos que existam algum filósofo e dois jornalistas."
Jornalistas? "São os que vão publicar na internet."
A internet é o motor do novo projeto. Motor de pressão sobre o próprio Adrià, que diz não conseguir criar de outra forma. As invenções serão anunciadas diariamente. "É a maneira de nos julgarem."
É também a maneira de girar uma rede de ideias para o mundo da gastronomia. "Não estamos fazendo um fórum do tipo "eu fui comer e isso". É o profissional dizendo: "Estou fazendo este produto". Queremos ajudar as pessoas, na cozinha não há tempo para criar."
Ele já decidiu que vai fechar a oficina-laboratório de Barcelona, onde são desenvolvidos os pratos do Bulli.
Porque sua função estará incorporada no novo centro. Adrià tem a pretensão de que saiam dali as pessoas que ditarão o futuro da gastronomia. Para criar bem, é preciso pensar bem, diz ele. E como se ensina isso?
"Explicando que tudo é relativo, sobretudo na comida", responde. "Não existe comida estranha, existe gente estranha."
Uma definição que gosta de repetir. "Quando lhe dizem isso, você entende que há liberdade. É normal que exista gente que não quer descobrir coisas novas. Que diga: "Como sempre maçã"."
Ele, porém, acha que "o bonito é descobrir". Nos próximos anos, quer viajar o mundo, o que inclui uma passada pelo Brasil -onde ele não descarta abrir uma filial das casas de tapas que montará com Albert Adrià, seu irmão.
Dos negócios paralelos e da exploração de sua imagem espera conseguir dinheiro para bancar o centro, que será uma fundação.
Mais ou menos como hoje, já que com os € 2,5 milhões (R$ 5,6 mi) que fatura por ano a casa não fecha as contas.
Um jantar ali custa, com bebida, € 300 (R$ 670). "Igual a um hotel normal em Londres", diz Adrià. "Apesar disso, há uma visão de que um restaurante é muito mais elitista do que um hotel. Você pode pagar € 4 para ver um jogo de liga regional e € 300 para o Barça x Madrid. Mas com restaurante, não. O dia em que dermos esse salto, a cozinha será o novo rock and roll."


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