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24ª MOSTRA INTERNACIONAL DE CINEMA DE SÃO PAULO
FILME/CRÍTICA
"Tolerância" embaralha sexo, política e crime
JOSÉ GERALDO COUTO
DA EQUIPE DE ARTICULISTAS
"Um filme político? Um filme
poético? Um filme policial?", perguntava, em tom de provocação,
o "trailer" de uma obra de Godard
dos anos 60 (possivelmente "Made in USA").
Todas essas definições se aplicam a "Tolerância", do cineasta
gaúcho Carlos Gerbase. E mais
uma: a de filme erótico.
A façanha principal de Gerbase
é a de ter entrelaçado de modo
competente e original suas várias
linhas de força: o sexo, a política e
o crime.
"Tolerância" narra poucos e decisivos dias na vida de um casal de
classe média de Porto Alegre que
se formou nos ideais libertários
dos "anos rebeldes" e que hoje, ao
chegar aos 40, vê-se às voltas com
um cotidiano bem mais prosaico
do que o sonhado.
Cinismo vence a revolução
Ele, Júlio (Roberto Bontempo),
que queria consertar o mundo,
hoje reforma bundas e peitos de
mulheres, no computador, para
uma revista masculina.
Ela, Márcia (Maitê Proença),
que amava tanto a revolução, hoje
usa cinicamente o discurso dos
sem-terra para livrar da cadeia o
assassino de um fazendeiro.
O último resquício do compromisso revolucionário do casal -a
franqueza absoluta na vida sexual
e amorosa- é colocado em xeque com a entrada em cena de
dois novos personagens.
Teodoro (Nelson Diniz), um
cliente de Márcia, e Ana Maria
(Maria Ribeiro), a insinuante
amiga da filha adolescente do casal, Guida (Ana Maria Mainieri).
É do desequilíbrio trazido por
esses "intrusos" que se alimentam
a ação e o erotismo presentes no
filme.
Numa trama crescentemente
intrincada e sinuosa, haverá crimes e traições em profusão.
Mas o que interessa aqui, ao
contrário do que ocorre no cinema norte-americano mais vulgar,
não é o desenrolar dos acontecimentos, mas a mudança de sentido de cada um deles à medida que
novas informações e novas imagens são apresentadas ao espectador.
Desse modo, por exemplo, uma
transa que parecia uma vingança
mesquinha revela-se, minutos depois, um gesto de extrema e amorosa renúncia.
Esse mecanismo de contínua
destruição e reconstrução do
"real" faz de "Tolerância" um estimulante exercício de narração
cinematográfica, que vivifica e
problematiza todas as suas outras
dimensões: a de aventura policial,
a de estudo de costumes e, principalmente, a de enviesado balanço
de geração.
Pois, a despeito de tratar de fazendeiros, fotógrafos e advogados, esse é um filme que fala de
Gerbase e seus parceiros de jornada, como os também cineastas
Jorge Furtado (co-roteirista de
"Tolerância"), Giba Assis Brasil
(co-roteirista e montador), Werner Schünemann (ator) e Ana
Azevedo (assistente de direção).
Uma turma que começou a fazer cinema em super-8 há 20 anos
(incluindo alguns longas), depois
produziu os mais brilhantes curtas-metragens brasileiros e hoje
retorna ao longa mostrando que
continua de olhos bem abertos
para seu tempo e seu país.
Esse aspecto geracional aparece
no filme com mais nitidez no início e no acachapante final, embalado por uma versão irônica de
"Como os Nossos Pais", de Belchior, na voz de Nei Lisboa, outro
ícone da rebeldia gaúcha.
Tolerância
Direção: Carlos Gerbase
Produção: Brasil, 2000
Com: Maitê Proença, Roberto
Bontempo, Maria Ribeiro, Nelson Diniz
Quando: hoje, às 22h05 (Espaço
Unibanco), e sábado, às 21h20 e 23h40,
no Market Place
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