São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2004

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"MÁ EDUCAÇÃO"

O ator Gael García Bernal interpreta vários personagens em novo longa do diretor de "Fale com Ela"

Almodóvar faz ambíguo jogo de espelhos

Divulgação
O ator Gael García Bernal se transveste no filme "Má Educação"


SYLVIA COLOMBO
EDITORA DO FOLHATEEN

Depois de cometer um crime, dois personagens do novo longa de Pedro Almodóvar, "Má Educação", entram em um cinema para matar o tempo. Ao sair, um deles diz: "É como se todos os filmes falassem de nós". Em entrevista recente, o cineasta espanhol disse pensar nas salas de cinema como refúgio de assassinos e solitários. Assim, a tela seria uma espécie de espelho daquilo que está nas poltronas.
Essa é a chave para entender o intrincado "Má Educação", filme noir cheio de segredos e falsidades, romantismo extremo e a presença constante da morte. E, como não poderia deixar de ser, com uma femme fatale, encarnada pelo ator mexicano Gael García Bernal ("Diários de Motocicleta"), desempenhando de forma surpreendente mais de um papel.
A história se passa em dois momentos. O primeiro, nos anos 60, quando, num colégio religioso, dois garotos de 11 anos se apaixonam, mas têm sua relação ameaçada por um padre, que fica obcecado por um deles, de quem abusa sexualmente.
O segundo nos leva aos anos 80, quando, aparentemente, ambos se reencontram e um deles (Bernal), tendo virado ator, entrega ao outro (Fele Martinez), agora diretor de cinema, um roteiro inspirado nas recordações de sua infância comum.
O que se pinta na tela é a visão do cineasta sobre dois momentos da história da Espanha vividos por ele. Os repressivos anos 60, com um olhar um tanto crítico sobre a educação católica, experiência pela qual efetivamente passou. E, depois, os anos 80 da chamada "movida madrileña", período de efervescência cultural motivada pela redemocratização da Espanha após o fim da ditadura de Franco. Essa época deu origem, entre outras coisas, ao próprio cinema de Almodóvar.
E é justamente sobre um jogo de espelhos voltado ao passado que "Má Educação" se estrutura. Há o passado do personagem de Gael no roteiro que entrega ao amigo, há a interpretação do passado pelo outro, depois a filmagem dessas lembranças, numa narrativa cheia de ambigüidades e espelhos.
"Má Educação" guarda um parentesco próximo com o mediano "Carne Trêmula" (1997), não é tão tocante como "Tudo sobre Minha Mãe" (1999) nem tão belo e triste como "Fale com Ela" (2002).
Mas, antes que se caia na discussão sobre se esse é um Almodóvar menor, maior ou médio, é mais interessante notar novamente a genialidade que está por trás de qualquer um de seus filmes. Aqui, como nos trabalhos anteriores, há a engenhosidade na construção de um universo próprio, extremo e transgressivo, onde coisas e pessoas só fazem sentido por existirem ali. E tudo isso ao mesmo tempo em que dialogam de uma forma visceral com todo o resto da humanidade.
Não é pouco.


Má Educação
La Mala Educación
    
Direção: Pedro Almodóvar
Produção: Espanha, 2004
Com: Gael García Bernal, Fele Martinez
Quando: hoje, às 23h30, no Cinesesc (outras exibições amanhã, e dias 1º e 2 de novembro)



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