São Paulo, domingo, 23 de outubro de 2005

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Entrevista com o vampiro



Ivan Cardoso, autor e símbolo do gênero "terrir", retorna ao cinema com dois longas que são atrações da Mostra de SP

Ana Carolina Fernandes/Folha Imagem
O diretor Ivan Cardoso, que exibe dois filmes, sendo um inédito, em São Paulo


SILVANA ARANTES
DA REPORTAGEM LOCAL

"É uma pena que eu só vou ter valor quando morrer. Já pensei várias vezes em simular a minha morte, para ver se a coisa funciona logo", afirma o cineasta Ivan Cardoso, 53.
O que parece um pensamento sombrio é dito pelo autor de "O Segredo da Múmia" (1981) com uma risada solta -de quem confessa uma malandragem, não uma amargura.
A impressão de ter um valor irreconhecido, porém, é verdadeira: "Sou herdeiro da melhor vanguarda brasileira. Sou discípulo do [artista plástico] Helio Oiticica [1937-1980], assistente do [cineasta] Rogério Sganzerla [1946-2004] e parceiro de Haroldo de Campos e Décio Pignatari [poetas]".
Já a idéia da (falsa) auto-aniquilação do diretor nunca pareceu tão distante. Redivivíssimo, Cardoso apresenta dois longas na 29ª Mostra de Cinema de SP.
"Um Lobisomem na Amazônia" (2005) é o título que encerrou seu jejum de 13 anos sem filmar longas-metragens. "A Marca do Terrir", a outra assinatura de Cardoso no festival, é uma cinebiografia em primeira pessoa, com um pot-pourri dos títulos que lançou nos anos 70, "escandalizando a Hollywood tupiniquim".
Quem se avalia como escandaloso é o próprio diretor. Mas motivos para espanto de fato não faltam em sua obra reunida.
De "Onde Freud Não Explica" (1972), Cardoso pinçou para "A Marca do Terrir" cena em que dois garotos se masturbam freneticamente no calçadão em frente ao Forte do Leme.
O trecho escolhido de "Brasil, Eu Adoro Você" (1970) traz a atriz Cristiny Nazareth, com os seios nus, acariciando lascivamente um revólver, envolvida por uma estilizada bandeira nacional, obra do artista plástico Carlos Vergara.
Em "Sentença de Deus", o ator Ricardo Horta degola uma galinha e borrifa todo o seu sangue nas costas do personagem interpretado por Zé Português.
Num dos depoimentos com que entrecorta sua cinebiografia, Cardoso diz que "fazia os filmes a sério, e as pessoas achavam graça". Até que ele mesmo se deu por vencido às evidências de que sua obra pertencia ao "gênero terrir", do terror que causa risada.
Exemplo: "O "Nosferatu no Brasil", de 1972, foi todo filmado durante o dia. Mas o vampiro é mortal pela luz. Como eu ia explicar? Busquei na poesia concreta aquela frase: "Onde se vê dia, veja-se noite'".
Subverter tudo sob o sol foi a maneira de Cardoso seguir à risca a primeira lição aprendida com Oiticica, que conheceu aos 16 anos e logo adotou como ídolo. "A primeira coisa que ele me ensinou foi: "Tudo o que te disserem que não pode ser feito pode"."


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