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Crítica/"Fica Comigo"
Khoo vê o amor no vazio da comunicação
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
Incomunicabilidade já foi,
por muito tempo, a palavra-chave utilizada para
designar a expressão, no cinema, do mal-estar da modernidade, central, em particular, na
obra de Michelangelo Antonioni. Para nós, contemporâneos,
imersos no reino da comunicação, que sentido adquiriu a
não-comunicabilidade?
O elogio que muito se faz a alguns filmes que chegam do
Oriente se baseia na lucidez
que eles contêm de compreender impasses da vida contemporânea. "Fica Comigo", terceiro longa de Eric Khoo, cineasta
de Cingapura, vem se somar a
esse mergulho na alma, que
tanto produz fascínio, dos filmes de Wong Kar-wai, Hou
Hsiao-hsien, Tsai Ming-liang,
Jia Zhang-ke, Hong Sang-soo,
entre outros.
Pois o vazio nessas obras evoca, com o tempero contemplativo oriental, a problemática existencial exposta por Antonioni, mas a revê na perspectiva de uma época que se poderia definir como "a da comunicação ao alcance de todos".
A beleza fundamental de "Fica Comigo" emana justamente
do modo como Khoo lê a nossa
contradição.
A tal democracia da comunicação é relida pelo avesso, tendo o amor como o nexo que reúne as quatro histórias nada
díspares que o filme narra.
Um senhor viúvo permanece
conectado à memória da mulher morta; duas garotas se conhecem pela internet e vivem uma paixão adolescente; um
segurança glutão persegue platonicamente uma executiva.
Em contraponto, o diretor
insere uma não-ficção sobre
uma senhora surda e cega que
escreve suas memórias com a
ajuda de um assistente social.
As quatro histórias se elaboram a partir da vivência do
amor, mas sua demonstração é
feita pelo avesso: num caso, por
meio da rejeição, nos outros, da
ignorância, da desaparição e do
abandono. Reduzido quase a
pó, o sentimento subsiste através de formas novas e antigas
de estabelecer comunicação:
chats, torpedos, câmeras de vigilância, cartas manuscritas ou
datilografadas.
Paradigma da comunicação
humana, o amor, quanto mais
esvaziado, mais tem sua vigência reafirmada por essas parábolas, não através do culto romântico, mas extraindo do vazio a pura necessidade.
FICA COMIGO
Direção: Eric Khoo
Onde: hoje, às 15h10, no Reserva Cultural 2; e quarta, às 15h30, no Cinesesc
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