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NELSON ASCHER
A guerra dos sexos por outros meios
O que todo membro de
nossa espécie insatisfeita quer (e com toda razão)
é ser desejado por um acúmulo de atributos
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UM SUJEITO corajoso ou imbuído de empirismo poderia,
dia desses, experimentar se
dirigir a uma mulher (sua consorte
de longa data ou a nova candidata ao
cargo) dizendo-lhe o seguinte:
"Meu anjo, você é feia, gorda, sem
graça, desajeitada e não sabe se vestir. Além disso, nunca foi (ou não parece ser) grande coisa na intimidade, dá na vista que ultrapassou (bem
mal) a meia-idade e, mesmo antes,
convenhamos, não era do tipo que
levava os homens a torcerem o pescoço quando passava em Ipanema.
Ainda assim, eu te amo (ou quero
sair com você) porque você é uma
escritora brilhante ou uma poetisa
inspirada ou uma pensadora profunda e original ou uma excelente
artista plástica ou uma cirurgiã fantástica ou uma líder idealista e carismática ou uma empresária bem-sucedida e, em todo caso, é um ser humano inteligente, espirituoso e de
bom caráter. Sendo um homem sensível que não se importa com o meramente superficial das aparências,
prefiro você a qualquer ninfeta fútil ,
starlet semi-analfabeta ou top model vazia. E, desprezando a hipocrisia, estou certo de que você, que se
encontra acima dos falsos elogios,
vai se sentir recompensada por eu
lhe dizer a verdade como ela é."
Caso alguém tenha peito (dos peludos) para arriscar o pescoço dessa
maneira e obtenha sucesso, ou seja,
sobreviva à abordagem acima agradando sua interlocutora, sugiro-lhe
que relate os resultados à redação do
"Livro Guinness dos Recordes". Afinal, "sensibilidade masculina" (estilo Anaïs Nin) tem hora e, se o sexo
frágil reclama dos homens porque
estes põem as aparências em primeiro lugar, é duvidoso que alguma
mulher desejaria se sentir escolhida
a despeito, não por causa, das suas. O
que todo membro de nossa espécie
insatisfeita quer (e com toda razão)
é ser desejado por um acúmulo de
atributos. Consciente de quão enganado posso estar, suspeito que a mulher arquetípica deseja que a queiram não porque é linda (embora saiba que é linda e adore ser reassegurada disto várias vezes por minuto),
mas porque possui atributos diversos espirituais superiores. A alternativa ideal para a "bonita e burra" é,
antes, a "bonita e brilhante".
Preocupações de ordem estética
se arraigam tão fundo nos neurônios
femininos quanto nos masculinos,
pois, se assim não fosse, os atores de
telenovelas seriam escolhidos sobretudo pela sua capacidade de
atuar, os cantores de mais sucesso
saberiam cantar e os gigolôs, todos
eles baixinhos, gordinhos e carecas,
se destacariam pelas dimensões de
seu QI. Há, é claro, diferenças de
gosto, e os critérios de beleza não são
os mesmos para ambos os sexos. A
única diferença relevante entre eles,
porém, quando se trata de exigências estéticas, é que os homens as admitem e as mulheres, não.
Foi este o mistério que investiguei
na coluna anterior. Por que uma
professora universitária aparece
com um surfista e insiste em convencer os colegas de que o tipo é um
poeta? Por que uma doutora é flagrada com 1,90 m de músculos trabalhados, se bem que incapazes de
acertar um subjuntivo, e declara às
amigas que o que a seduziu foi a conversa ele? Por que tantas mulheres
pregam o consumo de água e, enquanto degustam seu "grand cru",
condenam nosso abuso de álcool?
Minha conclusão, inteiramente de
acordo com a "Navalha de Ockham",
era singela: homens e mulheres buscam a mesma coisa, isto é, parceiros
atraentes do sexo oposto. Se estes
também forem inteligentes, talentosos, ricos, tanto melhor.
O que não implica dizer que homens e mulheres queiram o que
querem de maneira idêntica. Homens têm uma queda pela variedade, enquanto as mulheres, até para
poderem se dedicar a criar a prole
em paz e segurança, requerem certo
grau de estabilidade. Estas são, para
um e para o outro lado, as metas
mais difíceis de realizar. Quase qualquer mulher obteria, se o desejasse,
homens diferentes a cada noite, desde que mantivesse baixo seu nível de
exigência estética e nada lhes pedisse exceto o "one night stand" em
questão. Homens, por seu turno,
conseguem companhia estável e duradoura mais facilmente que as mulheres e, se for com papel passado,
então nem se fala.
Existem mais amantes ocasionais
à disposição de qualquer mulher e
mais esposas potenciais esperando
por qualquer homem. O desencontro é que cada qual quer o que o outro tem. Daí que, como em tudo que
diz respeito às relações humanas, a
palavra-chave seja negociação, que
equivale, neste contexto, à guerra
dos sexos travada por outros meios.
Um lado concede aqui, o outro ali e a
espécie se perpetua. Bom, pelo menos até o momento.
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