São Paulo, quinta-feira, 23 de outubro de 2008

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32ª MOSTRA EM SP

Crítica/"Neve"

Olhar político evita que bósnio seja apenas mais um filme "lindo"

"Neve", da estreante Aida Begic, foi vencedor do Grande Prêmio da Semana da Crítica do Festival de Cannes, neste ano

CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA

A imagem de um campo desolado, com a figura de uma garota muçulmana com um lenço em estampas étnicas caminhando em câmera lenta e ainda por cima num filme bósnio faz pressentir o pior: um daqueles filmes de mostra (um gênero peculiar) que o público aplaude e considera "lindo" em outubro e que, depois, visto com mais frieza se revela como não mais que uma longa conversa para boi dormir.
Vencedor do Grande Prêmio da Semana da Crítica em Cannes neste ano, "Neve" poderia ser um desses casos se se restringisse ao apelo da imagem descrita.
A vantagem do filme, primeiro longa da diretora bósnia Aida Begic, é ser capaz de superar o encanto da bela imagem em benefício de uma idéia simples e, assim, concentrar nossa atenção, tão difusa em meio à inflação de um festival. Logo na primeira seqüência, numa brincadeira de mímica, o bigode postiço no rosto de uma mulher anuncia um masculino ausente, que atravessa e sustenta o drama de poucas ações que veremos em seguida.
O tal bigode indica a falta de um pai, morto na guerra, como quase todos os homens da aldeia. Em meio ao mulherio da família, restaram uma criança e um velho.
As mulheres têm, então, de se esforçar para assegurar a sobrevivência, produzindo geléias para vender estrada afora.

Mudança de foco
Em vez de se entregar à contemplação, registrar hábitos em sua diferença, enfim, fazer cinema antropológico de relativa importância e curto alcance, a diretora Aida Begic recusa as facilidades e decide-se pela politização de seu material.
Quando entra em cena um forasteiro, um negociante sérvio, "Neve" amplia suas primeiras impressões e se configura como algo além de uma interessante crônica de costumes.
O modo de se apresentar, as suspeitas mútuas, as irritações que emergem no meio do grupo assinalam a recorrência de fantasmas soterrados. Tal como os homens, ausentes de cena, o não-dito da guerra, seus horrores e, sobretudo, seus traumas voltam a circular sem que nem precisem ser representados.
Por sua capacidade de sugerir em vez de mostrar, "Neve" dá uma bela lição de cinema político que consegue nos dizer o que é preciso sem recorrer ao discurso.

NEVE
Quando: hoje, às 20h20, no iGCine; amanhã, às 17h50, no Espaço Unibanco Pompéia 1; dia 28, às 15h50, no Unibanco Arteplex 4; dia 29, às 16h, no Cine Bombril 1
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: bom



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