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32ª MOSTRA EM SP
Crítica/"Neve"
Olhar político evita que bósnio seja apenas mais um filme "lindo"
"Neve", da estreante Aida Begic, foi vencedor do Grande Prêmio da Semana da Crítica do Festival de Cannes, neste ano
CÁSSIO STARLING CARLOS
CRÍTICO DA FOLHA
A
imagem de um campo
desolado, com a figura
de uma garota muçulmana com um lenço em estampas étnicas caminhando em
câmera lenta e ainda por cima
num filme bósnio faz pressentir o pior: um daqueles filmes
de mostra (um gênero peculiar)
que o público aplaude e considera "lindo" em outubro e que,
depois, visto com mais frieza
se revela como não mais que
uma longa conversa para boi
dormir.
Vencedor do Grande Prêmio
da Semana da Crítica em Cannes neste ano, "Neve" poderia
ser um desses casos se se restringisse ao apelo da imagem
descrita.
A vantagem do filme, primeiro longa da diretora bósnia Aida Begic, é ser capaz de superar
o encanto da bela imagem em
benefício de uma idéia simples
e, assim, concentrar nossa
atenção, tão difusa em meio à
inflação de um festival.
Logo na primeira seqüência,
numa brincadeira de mímica, o
bigode postiço no rosto de uma
mulher anuncia um masculino
ausente, que atravessa e sustenta o drama de poucas ações
que veremos em seguida.
O tal bigode indica a falta de
um pai, morto na guerra, como
quase todos os homens da aldeia. Em meio ao mulherio da
família, restaram uma criança e
um velho.
As mulheres têm, então, de se
esforçar para assegurar a sobrevivência, produzindo geléias para vender estrada afora.
Mudança de foco
Em vez de se entregar à contemplação, registrar hábitos
em sua diferença, enfim, fazer
cinema antropológico de relativa importância e curto alcance,
a diretora Aida Begic recusa as
facilidades e decide-se pela politização de seu material.
Quando entra em cena um
forasteiro, um negociante sérvio, "Neve" amplia suas primeiras impressões e se configura
como algo além de uma interessante crônica de costumes.
O modo de se apresentar, as
suspeitas mútuas, as irritações
que emergem no meio do grupo
assinalam a recorrência de fantasmas soterrados. Tal como os
homens, ausentes de cena, o
não-dito da guerra, seus horrores e, sobretudo, seus traumas
voltam a circular sem que nem
precisem ser representados.
Por sua capacidade de sugerir em vez de mostrar, "Neve"
dá uma bela lição de cinema político que consegue nos dizer o
que é preciso sem recorrer ao
discurso.
NEVE
Quando: hoje, às 20h20, no iGCine;
amanhã, às 17h50, no Espaço Unibanco Pompéia 1; dia 28, às 15h50,
no Unibanco Arteplex 4; dia 29, às
16h, no Cine Bombril 1
Classificação: não indicado a menores de 14 anos
Avaliação: bom
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