São Paulo, sábado, 23 de outubro de 2010

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"1930 foi mais importante que 1889"

Historiador José Murilo de Carvalho vê na atual campanha política ecos do movimento que levou Vargas ao poder

Para estudioso da UFRJ, classe C atual difere da classe média de 1930 porque não tem de lutar contra oligarquias

MARCOS FLAMÍNIO PERES
DE SÃO PAULO

"A Revolução de 1930 foi mais importante para o Brasil do que a Proclamação da República [1889]".
Assim o historiador José Murilo de Carvalho define o movimento armado ocorrido 80 anos atrás, que pôs fim à política do "café com leite" -em que Minas Gerais e São Paulo se revezavam no poder-, depôs o presidente da República, Washington Luís, e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes -apoiado por São Paulo.
Em 3/11/1930, Getúlio Vargas assumia o governo provisório, e a República Velha chegava ao fim. O país desde então entraria num ciclo inédito de transformações políticas, sociais e econômicas -para o bem e para o mal.
Autor de importantes estudos sobre o tema, Carvalho, que leciona na Universidade Federal do Rio de Janeiro (UFRJ), crava: "A Revolução de 30 marcou o início do Brasil moderno".
Ele aponta como cruciais o início do processo de industrialização, a criação de legislações trabalhista e social, assim como a entrada do povo na política e o surgimento dos primeiros movimentos políticos e sociais desde a Abolição (1888).
Já Boris Fausto, historiador da Universidade de São Paulo e autor do livro canônico sobre o movimento, acrescenta que, pela primeira vez, "o trabalhador urbano apareceu como agente social reconhecido".
Como consequência, surge também o controle sindical e a constituição de "um discurso em relação à massa trabalhadora", diz Fausto.
Seu "A Revolução de 30" (Companhia das Letras), publicado em 1970, foi um divisor de águas nos estudos sobre o período. Ele desqualifica duas teses até então dadas como inatacáveis: as de que 1930 teria representado a subida ao poder tanto da burguesia industrial quanto das classes médias.
Para Fausto, essa compreensão errônea se deveu à importação de modelos interpretativos europeus -que "tentavam enquadrar o episódio revolucionário de 1930 no modelo da revolução burguesa".
Livro que confronta frontalmente esse ponto de vista é "O Silêncio dos Vencidos" (Brasiliense), do historiador da Universidade Estadual de Campinas Edgar de Decca.
Pioneiro ao adotar o ponto de vista das classes menos privilegiadas, defende que "a liderança populista de Getúlio Vargas reescreveu a história do Brasil" -ela "jogou para a sombra tudo aquilo que não lhe era conveniente".
Getúlio teria criado, segundo De Decca, um ponto zero na história do Brasil.
Para Fausto, essa visão não procede porque o trabalhador ainda não existia como "agente político". Indagado se o livro promove uma "superinterpretação", Fausto é taxativo: "Sim".

CLASSE C
Ambos divergem quanto ao papel das classes médias. "Foram elas que se beneficiaram da Revolução de 30", afirma De Decca, que também vê a atual ascensão da classe C como decorrência daquele processo.
Para ele, essa classe ingressa na sociedade tanto do ponto de vista do consumo quanto da cidadania. Carvalho, que também vê continuidade entre classes médias em 1930 e a classe C atual, é menos otimista: "A classe C de hoje não tem oligarquias contra as quais lutar e não é claro que tenha vontade de atuar politicamente. Busca antes uma inserção maior no mundo do consumo".

ONTEM E HOJE
Fausto aponta a inevitável "comparação entre lulismo e getulismo" hoje. Já Carvalho vê ecos de 1930 nas plataformas dos dois candidatos à Presidência -"o estatismo centralizante e o desenvolvimentismo econômico a qualquer custo".
Os três apontam a persistência do populismo na figura do "pai dos pobres" -"agora metamorfoseado em mãe", diz Carvalho.
De Decca pondera que, embora traço negativo da política nacional, o populismo "atende a um clamor em países onde a população pobre é ainda muito expressiva".
Desta vez, José Murilo de Carvalho se mostra mais otimista: "À medida que escapa da pobreza, espera-se que a classe C seja mais imune a apelos populistas".


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