|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice | Comunicar Erros
"1930 foi mais importante que 1889"
Historiador José Murilo de Carvalho vê na atual campanha política ecos do movimento que levou Vargas ao poder
Para estudioso da UFRJ, classe C atual difere da classe média de 1930 porque não tem de lutar contra oligarquias
MARCOS FLAMÍNIO PERES
DE SÃO PAULO
"A Revolução de 1930 foi
mais importante para o Brasil do que a Proclamação da
República [1889]".
Assim o historiador José
Murilo de Carvalho define o
movimento armado ocorrido
80 anos atrás, que pôs fim à
política do "café com leite"
-em que Minas Gerais e São
Paulo se revezavam no poder-, depôs o presidente da
República, Washington Luís,
e impediu a posse do presidente eleito Júlio Prestes
-apoiado por São Paulo.
Em 3/11/1930, Getúlio Vargas assumia o governo provisório, e a República Velha
chegava ao fim. O país desde
então entraria num ciclo inédito de transformações políticas, sociais e econômicas
-para o bem e para o mal.
Autor de importantes estudos sobre o tema, Carvalho,
que leciona na Universidade
Federal do Rio de Janeiro
(UFRJ), crava: "A Revolução
de 30 marcou o início do Brasil moderno".
Ele aponta como cruciais o
início do processo de industrialização, a criação de legislações trabalhista e social,
assim como a entrada do povo na política e o surgimento
dos primeiros movimentos
políticos e sociais desde a
Abolição (1888).
Já Boris Fausto, historiador da Universidade de São
Paulo e autor do livro canônico sobre o movimento, acrescenta que, pela primeira vez,
"o trabalhador urbano apareceu como agente social reconhecido".
Como consequência, surge também o controle sindical e a constituição de "um
discurso em relação à massa
trabalhadora", diz Fausto.
Seu "A Revolução de 30"
(Companhia das Letras), publicado em 1970, foi um divisor de águas nos estudos sobre o período. Ele desqualifica duas teses até então dadas
como inatacáveis: as de que
1930 teria representado a subida ao poder tanto da burguesia industrial quanto das
classes médias.
Para Fausto, essa compreensão errônea se deveu à
importação de modelos interpretativos europeus -que
"tentavam enquadrar o episódio revolucionário de
1930 no modelo da revolução
burguesa".
Livro que confronta frontalmente esse ponto de vista
é "O Silêncio dos Vencidos"
(Brasiliense), do historiador
da Universidade Estadual de
Campinas Edgar de Decca.
Pioneiro ao adotar o ponto
de vista das classes menos
privilegiadas, defende que "a
liderança populista de Getúlio Vargas reescreveu a história do Brasil" -ela "jogou para a sombra tudo aquilo que
não lhe era conveniente".
Getúlio teria criado, segundo De Decca, um ponto
zero na história do Brasil.
Para Fausto, essa visão
não procede porque o trabalhador ainda não existia como "agente político". Indagado se o livro promove uma
"superinterpretação", Fausto é taxativo: "Sim".
CLASSE C
Ambos divergem quanto
ao papel das classes médias.
"Foram elas que se beneficiaram da Revolução de 30",
afirma De Decca, que também vê a atual ascensão da
classe C como decorrência
daquele processo.
Para ele, essa classe ingressa na sociedade tanto do
ponto de vista do consumo
quanto da cidadania. Carvalho, que também vê continuidade entre classes médias
em 1930 e a classe C atual, é
menos otimista: "A classe C
de hoje não tem oligarquias
contra as quais lutar e não é
claro que tenha vontade de
atuar politicamente. Busca
antes uma inserção maior no
mundo do consumo".
ONTEM E HOJE
Fausto aponta a inevitável
"comparação entre lulismo e
getulismo" hoje. Já Carvalho
vê ecos de 1930 nas plataformas dos dois candidatos à
Presidência -"o estatismo
centralizante e o desenvolvimentismo econômico a qualquer custo".
Os três apontam a persistência do populismo na figura do "pai dos pobres"
-"agora metamorfoseado
em mãe", diz Carvalho.
De Decca pondera que,
embora traço negativo da política nacional, o populismo
"atende a um clamor em países onde a população pobre é
ainda muito expressiva".
Desta vez, José Murilo de
Carvalho se mostra mais otimista: "À medida que escapa
da pobreza, espera-se que a
classe C seja mais imune a
apelos populistas".
Texto Anterior: Opinião: Nobel choca com postura antirrevolucionária Próximo Texto: Saiba mais: Revolução de 30 Índice | Comunicar Erros
|