São Paulo, sexta, 23 de outubro de 1998

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"NAS MÃOS DE DEUS" - ESTRÉIA
Surfe com gelatina âmbar


especial para a Folha

Assistir a "Nas Mãos de Deus" sem jamais ter praticado surfe na vida pode ser uma experiência bastante desagradável; fazê-lo tendo sido, sendo, ou pretendendo ser surfista algum dia, igualmente desagradável, mas isso já é coisa para meu companheiro Carlos Sarli comentar ao lado.
O objetivo de Zalman King, diretor também de "Orquídea Selvagem" -bela credencial, anh?-, com o filme é mostrar uma rapaziada, surfistas de verdade, pegando ondas de 12 metros no Havaí. Mas como não queria fazer um documentário, inventou uma trama chinfrim para chegar nesse clímax, quando já se vão bons 7/8 da fita.
Antes disso o que se vê é uma espécie de "Imagenes & Sonidos" de Bali, Malgaxe e México, com direito a coreografias de pescoço, olhares nativos perplexos e tudo aquilo que você já viu nas páginas de "National Geographic".
São três os heróis, e os três são surfistas bem ranqueados na vida real. Se obviamente não precisaram de dublês para entrar nos tubos imensos, talvez precisassem para as sequências fora d'água, que são muitas.
A caracterização não ajuda. Mickey é o veterano, bon vivant, mulherengo e irresponsável; Shane, o introspectivo, comedido, penitente e discretamente misógino; Keoni, um fedelho que chegou à tela apenas para contrair malária em Bali.
Naturalmente que Shane, também vendido como maior promessa do surfe, leva a melhor sobre Mickey, ainda que na tela sejam parceiros, não disputem explicitamente.
O problema de um filme como esse é que ele não é uma coisa nem outra. Não entra fundo no surfe -ou faz um comentário original sobre seu universo-, tampouco deixa explícitos seus objetivos caça-níqueis (como os filmes da Xuxa ou de lutas marciais).
Tome então close-ups, meditações supostamente cabeças sobre o surfe e até uma fêmea sem qualquer valor dramático na trama. Vá lá, ela aparece por ali só para reforçar que, para um surfista de verdade, não existe nada no mundo que valha a pena sobre uma superfície não-líquida.
E dá-lhe fotografia em tons quentes. (Zalman King e os fotógrafos da "Playboy" americana devem participar de uma maçonaria pelo uso incontido da gelatina âmbar como filtro de luz).
O que não dá mesmo para suportar é o que colocaram nas falas de Shane, personagem a quem cabe expressar uma certa sacralidade do esporte, digo, da atividade. Ele tenta explicar a uma leiga o que é estar diante de uma onda, as forças da natureza etc. etc. e então pergunta a ela se costuma sorrir, apenas sorrir, quando pensa em alguém querido.
Mas não, a interlocutora não sorri quando pensa em alguém querido. Bonito isso, Zalman, é seu? (PAULO VIEIRA) ²
Filme: Nas Mãos de Deus Produção: EUA, 1997 Direção: Zalman King Com: Patrick Shane Dorian, Matt George Quando: a partir de hoje, nos cines Metrô Tatuapé 7, Morumbi 1, Top Cine 1 e circuito


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