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RAP
Racionais falam para a periferia da nação
PATRICIA DECIA
da Reportagem Local
O que podem querer quatro manos pretos e pobres que ganharam
a adoração da periferia na zona sul
de São Paulo? A resposta dos Racionais MCs está disfarçada num
título de música: "Periferia é periferia (em qualquer lugar)".
A constatação carrega a idéia de
que é possível sim falar, ter poder e
influenciar muitos outros pretos e
pobres no resto do país. E o primeiro alvo de Mano Brown, Ice
Blue, Edy Rock e KL Jay são as favelas do Rio de Janeiro.
"Tem que chegar lá. É o mesmo
povo, só em lugar diferente", diz
Brown, autor de algumas das letras
mais contundentes do grupo, como "O Homem na Estrada" e
"Capítulo 3, Versículo 4".
Sempre sério, pouco falante e
muito respeitado, Brown é uma espécie de líder, simbolizando o
"orgulho negro" dos norte-americanos engajados na luta por direitos civis. Idéia que ele tenta a todo custo levar para seus manos.
No projeto de expansão dos Racionais, no entanto, não há lugar
reservado para quem não conhece
a vida trágica, violenta e breve que
dá origem ao rap paulistano.
Falando por/para a maioria formada pelos excluídos, o grupo,
que vendeu quase 200 mil cópias
de "Sobrevivendo no Inferno",
insiste em considerar mídia, elite e
classe média desimportantes.
"Se playboy vai comprar (o CD),
isso não me interessa. Mas tem uns
caras que sabem o perigo que a
gente oferece pelo que a gente fala
e pela quantidade de pessoas que
vem atrás da gente, os milhares de
seguidores, de fiéis, que a gente
tem", afirma Edy Rock, o outro
letrista dos Racionais.
Quem mais provoca repulsa nos
rappers é a televisão. "Sendo integrante dos Racionais, tendo uma
visão dos problemas do meu povo,
como posso falar para a Globo,
que contribuiu com o regime militar, que faz programa sensacionalista? Ou para o SBT, que incentiva
crianças de 3, 4 anos a dançarem a
dança da garrafa?", diz KL Jay, o
homem que é "a banda", o responsável pelas pick-ups, pelo som.
Fazendo 95% dos shows na periferia -em bailes e clubes sem infra-estrutura, com apenas três microfones e duas pick-ups-, morando no Capão Redondo, na Vila
Gustavo, no Jaçanã, carregando
caixas, montando aparelhagem,
parafusando as luzes junto com os
amigos, os Racionais querem continuar no lugar onde nasceram.
Mesmo no que pode ser considerado um momento de abertura
-as 200 mil cópias vendidas, a
realização de um show com produção, o clipe de "Diário de um
Detento" prestes a entrar na
MTV- os Racionais tentam manter a identidade e continuar no
posto de porta-vozes de quem não
tem espaço no mundo organizado.
Brown nega que depois do lançamento de "Sobrevivendo" os Racionais ficarão mais dóceis com o
mundo além-periferia. "Vamos
voltar para a rotina, fazer show na
periferia, jogar bola, ver o Santos,
ir aos lugares que a galera curte."
As letras do rap, as fotos da galera e os agradecimentos "em memória" no CD retratam o cotidiano do gueto, simbolizado pela Cohab Capão Redondo (zona sul),
onde mora Brown.
"Lá onde eu moro não tem nada.
Se fizer festa, morre dois, três na
porta e no dia seguinte acabou.
Nós estamos fechados, não estamos abertos para a América do
Sul, a gente não tem Internet. A galera ouve o que se faz lá dentro: rap
e pagode", afirma o MC.
Pelo menos no discurso, tudo o
que eles querem é continuar a pregar para seus fiéis, como as 8.000
pessoas que foram ao ginásio do
Corinthians no último sábado e
enfrentaram uma maratona até as
4h para ver o grupo entrar no palco. O público, quase 100% negro,
manteve-se em silêncio, aplaudindo ao final de cada canção.
No final do show, ao receber o
disco de ouro por "Sobrevivendo
no Inferno", Brown bradava: "Isso é pra maloqueirada que nem
eu". Assim intencionava mostrar
que, para os Racionais, só a "maloqueirada" importa.
Não se trata de uma apologia da
vida que se leva hoje, onde a única
saída é o crime, como fazem os
rappers do "gangsta" nos EUA.
Os Racionais querem incentivar
uma ascensão social, mesmo que
seja para "tirar o cara do negativo
e deixá-lo ao menos no zero".
"Na periferia, o cara não consegue emprego, é preto, acha álcool,
droga e um monte de cara querendo treta. E o mano sem dinheiro.
Isso é a pressão. Tem que ser muito
forte. Eu não quero isso para mim.
Eu sou um privilegiado, por estar
muito perto e muito longe disso. E
é nossa obrigação passar isso para
os manos", diz KL Jay.
Até agora, porém, eles não encontraram outra maneira de fazê-lo que não seus próprios exemplos pessoais e seu discurso. Essa
catequização remete aos símbolos
religiosos de "Sobrevivendo".
Afinal de contas, segundo Edy
Rock, na periferia hoje há duas saídas: o crime e a igreja.
"É a realidade da favela. É difícil
sobreviver no meio dos dois, entre
a cruz e a espada. O cara pensa: vou
parar com tudo e ficar legal ou vou
ganhar dinheiro e morrer cedo?"
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