São Paulo, Quinta-feira, 23 de Dezembro de 1999


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Norte do país vê sexo na TV em horário nobre


Reprodução
Cena de um episódio do desenho infantil "Pokemón", que passa de madrugada no Acre, pois Estado não segue horário de verão



Programação dos Estados que não seguem o horário de verão vai ao ar desrespeitando leis, decretos e portarias; autoridades responsáveis não se dão conta do problema


WILLIAM FRANÇA
enviado especial a Rio Branco (AC)

A legislação que classifica a exibição de filmes e programas de TV pela faixa etária e proíbe propaganda de cigarro e bebidas antes das 21h não está em vigor nos Estados que ficaram de fora do horário de verão. Nem as autoridades responsáveis pela vigilância se dão conta do problema.
Dos oito Estados em que não houve a adoção do horário de verão este ano, o caso mais grave é o do Acre, o único com um fuso horário de três horas a menos em relação ao horário oficial, o de Brasília. No Acre, a programação de TV está indo ao ar desrespeitando leis, decretos e portarias porque a geração de sinal das emissoras, que é feita em São Paulo e no Rio, leva em conta o horário oficial.
Com isso, enquanto boa parte do país se envolve com as aventuras amorosas de Giuliana e Mateu na novela "Terra Nostra" (TV Globo) e programas de humor, os cerca de 500 mil moradores do Acre, no mesmo horário nobre, estão tendo acesso a filmes com cenas de sexo -o restante do país, só no início da madrugada.
No último sábado, por exemplo, a TV Bandeirantes exibiu o filme "Biquíni Drive-In", em que, segundo a sinopse, "garotas organizam festas quentes para pagar dívidas". Conclusão de um crítico: "Um pretexto para o habitual desfile de cenas tolas de sexo".
A exibição de "Biquíni" ocorreu à 1h de domingo -22h de sábado, no Acre. Pela legislação, esse filme, indicado para maiores de 18 anos, só poderia ser exibido após as 23h.

TV paga também
O problema maior é com o sinal das cinco emissoras de TV aberta acreanas, mas as Promotorias da Infância e da Juventude e de Defesa do Consumidor de Rio Branco já se preocupam com a programação de algumas emissoras de TV paga (a cabo). O canal Multishow exibe o "Sextime" à meia-noite de sábado, 21h no Acre.
"Não posso censurar, não posso fazer nada. Tudo depende de Brasília, que está parada", disse à Folha a juíza Maria Tapajós, há três anos à frente da Vara da Infância e da Juventude de Rio Branco. "A programação em horário errado motiva e incentiva o sexo precoce. O povo brasileiro já é bem "caliente", e ela motiva mais a libido."
O Ministério Público do Estado enviou "recomendações" às cinco emissoras de TV do Acre para que respeitem a legislação. Por falta de condições técnicas, financeiras e contratuais, elas se declaram impedidas de cumprir a legislação -e contam, por isso, com a conivência das autoridades.
Por causa da defasagem do fuso horário, na capital Rio Branco e nos 22 municípios do Estado, a publicidade de cigarros e bebidas começa a ser veiculada a partir das 18h, no horário local. Há, pelo menos, uma marca popular de cigarro e outra de conhaque com inserções regulares. Nessa hora, no restante do país, estão no ar novelas e desenhos animados. E começam os telejornais.
Também por causa do fuso horário, mas no sentido inverso, as crianças acreanas são privadas de atrações programadas para elas no início da manhã. Desenhos como "Teletubbies", "Pokemón" e afins começam a ser exibidos quando é madrugada no Estado.
A situação da mídia eletrônica no Acre passa despercebida em Brasília, apesar de há quatro anos o Acre não aderir ao horário brasileiro de verão e ficar com a programação de TV distorcida mais de quatro meses por ano.
Ao serem questionadas pela Folha sobre o problema, a reação da maioria das autoridades foi da surpresa à incredulidade, passando pela sensação de impotência.

Surpresas oficiais
"Nunca ninguém me avisou disso, nunca teve nenhuma denúncia", afirmou o diretor de Classificação Indicativa do Ministério da Justiça, Reinaldo Jardim, responsável por determinar às emissoras para qual faixa etária o programa é recomendado, atendendo ao estabelecido no Estatuto da Criança e do Adolescente.
"Quer dizer que o "Jornal Nacional" lá começa às cinco horas da tarde?", questionou o consultor jurídico do Ministério da Saúde, Hélio Gil. "O ministro José Serra também tomou um susto quando soube disso. Nunca havia nos ocorrido esse problema", acrescentou o consultor, cujo ministério tem a responsabilidade de cobrar o cumprimento da lei 9.224/ 96, que regulamenta a propaganda de bebidas e de tabaco.
Após "descobrirem" o problema, a resposta foi distinta. Reinaldo Jardim afirmou que "é impossível de se resolver, é um caso sem solução". "Comunico às emissoras para não entrarem no ar? Cabe ao Poder Judiciário tomar as medidas", disse o diretor de Classificação Indicativa.
"O ministro Serra repassou a tarefa para a Agência Nacional de Vigilância Sanitária, isso é competência dela. Mas nada será resolvido da noite para o dia. Sabemos que isso vai detonar uma guerra com as emissoras, que vão reclamar muito", afirmou o consultor do Ministério da Saúde.


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