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LIVROS/LANÇAMENTOS
"TIETÊ, TEJO, SENA"
Água doce, aventura paulista e modernismo
GILBERTO VASCONCELLOS
ESPECIAL PARA A FOLHA
Clareza notável de raciocínio e exposição a de Carlos
Eduardo Ornelas Berriel ao discorrer sobre a vida e obra do enigma paulista do café. Paulo Prado é
escritor burguês, aristocrático e
modernista, que escreveu, em
1928, o célebre "Retrato do Brasil", fundado na cobiça, na luxúria
e na tristeza.
Esse pioneiro do ensaísmo (depois viriam Buarque, Freyre, Cascudo, Caio Prado) nasceu e cresceu num clima endogâmico lítero-familiar: de tio para sobrinho.
O tio é Eduardo Prado, autor de
"A Ilusão Americana", e o sobrinho é Paulo Prado, o empresário
intelectual bacana da Semana de
22. E, no meio de tudo isso, a determinação econômica do café, a
mercancia da Inglaterra antes de
enriquecer o baronato de Piratininga.
O banquete do café no início do
século 20. O café de Ribeirão Preto, gerando o avião de Santos Dumont em Paris, assim como o modernismo de 1922 em São Paulo,
realizando a estética do cafezal. O
autor leciona na Unicamp, nascido em Campos, a província goitacá fluminense do açúcar e do
alambique que tanto impressionara Saint-Hilaire.
O professor Ornelas foi ousado
ao pensar dialeticamente do presente para o passado, oferecendo-nos uma primorosa radiografia
da visão paulistocêntrica do Brasil, em cuja gênese está a loucura
de São Paulo fora dos outros Brasis. Trata-se de um estudo totalizante e revelador da dimensão de
classe do modernismo brasileiro.
Preconceituoso menos com o
índio que com o negro, Paulo Prado pegou pesado na defesa de
uma raça paulista consolidada em
meio à mixórdia racial do resto do
país. O orgulho cultural paulista
pressupõe o outro que é "brasileiro", junto com o trem inglês do
café. Daí resulta um quadro psíquico complexo, às vezes confuso,
mas com inegável sentido de realidade.
O índio Peri está morto. O Brasil
é dos bandeirantes, a matriz da
nacionalidade, o berço do verdadeiro capitalismo industrial perpetuando o corte do "paulista" e o
resto na distância entre o "avanço" mameluco e o bode brasileiro
do "atraso". A fazenda midiática
"Brejão" é a City. O encontro das
águas do Tietê com o Tâmisa de
Londres. Para Paulo Prado, fazendeiro modernista, era natural o
direito à hegemonia paulista com
relação ao Brasil como um todo.
É evidente que não é preciso o
parto de nascença para o papel de
agente político da paulística burguesa. Da tenda bandeirante ao
fazendeiro de café em Higienópolis. A República Velha pertencerá
aos interesses dos paulistas.
A neurótica práxis separatista
de 32 é o Paulo Prado do café investido contra Getúlio Vargas, o
capiroto que continua até hoje no
"pós-mortem" odiado pela paulistada de direita. A ideologia do
tucanato é a dos estamentos multinacionais com o epílogo do "Retrato do Brasil".
Paulo Prado, idealizador da Semana de Arte Moderna, teve Capistrano de Abreu, o gênio da historiografia, como orientador de
sua tese sobre o significado do
"caminho do mar" para os paulistas. O segredo da notícia.
É possível, hoje, falar em epílogo, epílogo caricato e decadente,
com inegável descenso estilístico
e cultural, porque a fissura esquizóide de Paulo Prado, espécie de
dr. Jekill e mr. Hyde, conforme
necrológico feito por Gilberto
Freyre, ainda não havia abdicado
do sentimento político de emancipação nacional, tanto que profetizara o conflito do "sul contra o
estrangeiro". Com o detalhe de
que o sul era São Paulo, e neste sobressaía como bela virtude a insubmissão dos paulistas aos imperialismos.
Tudo isso virou ruína com o
"industrialismo cosmopolita".
Em São Paulo, hoje, um empresário -se fosse bem dotado como
Paulo Prado- estará cuidando
das "sobras" da próxima campanha política em alguma ilha argentária da América Central.
Tietê, Tejo, Sena - A Obra de
Paulo Prado
Autor: Carlos Eduardo Ornelas Berriel
Editora: Papirus (tel. 0/xx/19/3272-4500)
Quanto: R$ 28 (248 págs.)
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