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ARTES PLÁSTICAS
Rodrigo Andrade comenta a arte "antialegria" dos anos 80 e sua atual fase, "livre de querer dizer algo"
"Produção afirmava vitalidade da pintura"
DA REDAÇÃO
Leia a seguir a continuação da
entrevista com o artista plástico
Rodrigo Andrade.
(ALEXANDRA MORAES)
Folha - E em que momento vocês
descobrem Guston?
Rodrigo Andrade - Eu gostava
muito de quadrinhos e de pintura. Como se gosta de música, gostava de pintura. O Philip Guston
nos permitiu conciliar Robert
Crumb com Morandi. Quem percebeu o Guston primeiro foi o
Paulo Monteiro. Eu estava em Paris e houve uma exposição do
Guston aqui em São Paulo e ele
mandou uma carta com um monte de recortes de jornal, dizendo:
"Olha, esse cara é demais!". Eu estava vendo tanta coisa, mas não
estava vendo Guston. Quando
voltei, fomos ao MAM ver uns livros e eu chapei com aquilo, daí
começamos a ler textos sobre ele.
Folha - Tinham consciência de
que estavam formando um grupo?
Andrade - Tínhamos. A gente
discutia muito, havia uma intensidade muito grande entre nós.
Folha - Não havia um isolamento
dos outros artistas?
Andrade - Tinha... A gente era
relativamente isolado. Tanto é
que, quando houve a exposição
da "Geração 80" ["Como Vai Você, Geração 80?", realizada em 84
no parque Lage, no Rio], a gente
não sabia que estava ocorrendo,
daí não entramos. Todo mundo
estava lá, menos nós. Além disso,
a "Geração 80" aconteceu no mesmo momento da "Painéis", em
que estávamos eu, Paulo Monteiro e Nuno Ramos, no Paço das
Artes, onde mostramos os painéis
de esmalte sintético sobre papel
craft pela primeira vez. E éramos
mesmo um pouco diferentes do
resto da geração. Fazíamos uma
pintura um pouco diferente, com
um apego à tradição da pintura
que os outros não tinham.
Folha - Isso pode ter causado algum estranhamento?
Andrade - Não. Quando nos perceberam, não. Logo viram que era
uma coisa legal, que era algo expansivo e uma afirmação de vitalidade da pintura. A gente tinha
consciência também da nossa
ambição, de fazer um negócio
com arte. Tínhamos uma grande
autoconfiança.
Folha - Alimentada também pelo
fato de vocês terem sido uma das
"sensações" da Bienal de 85...
Andrade - Sim, por ser um grupo
e por ser jovem. A gente saía muito no jornal, mas não vendia muito trabalho. Era muito algo com
mídia, de explorar a imagem, cinco moleques que se vestiam meio
"punkudos". Teve um momento
em que éramos superpaparicados, mas logo depois da Bienal era
só implicância...
Folha - Por quê?
Andrade - Por ser molecada, ter
essa coisa muito afirmativa com
qualidade de pintura. Aí, sim, isso
começou a pesar, essa nossa opção por uma insistência na qualidade da pintura e uma diferenciação do resto da geração que eu
acho que surgiu também. Num
dado momento isso ficou um
pouco claro. Tínhamos vontade
de ser mais críticos.
E havia uma sensação de futilidade do mundo da arte. O próprio sucesso que fazíamos, achava
aquilo idiota. As reportagens ficavam falando de coisas de rock...
achava tudo fútil. Isso realçava a
vontade de fazer uma pintura pesada, desagradável, que tivesse algo de "antialegria". Falavam: "Ah,
alegria de pintar...". E a gente:
"Que alegria, a gente quer expressar a angústia em pintar". Daí vinha também aquela fantasia juvenil que ajudava a manter esse elã.
Folha - De 85 até aqui, sua obra
sofreu diversas guinadas, sem nunca mudar o suporte.
Andrade - É, a curiosidade em
resolver o problema espacial de
um quadro para mim é inesgotável. A mudança começou a ocorrer logo depois da Bienal de 85.
Fui o primeiro a expor depois da
Casa 7, em 86, e já mostrei uma
pintura completamente mudada,
meio geométrica, com colagem,
arte povera, o [Richard] Serra, outros artistas que entraram no meu
rol de interesse. Existe uma variação entre algo mais figurativo e
mais gestual e algo mais abstrato e
que tende a uma simplificação.
Há esse movimento na minha
obra, sempre houve.
Folha - E como surgiram os quadrados atuais?
Andrade - Eles nascem dos blocos no espaço [da pintura de 93 a
98". Foi não só mudança, mas depuração também. O que talvez
aconteça nesses quadradinhos é
que, pela primeira vez, me senti livre de querer dizer algo com a
pintura. Gosto de pensar que essa
pintura é uma mistura de Judd
com Guston, algo improvável.
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