São Paulo, segunda-feira, 23 de dezembro de 2002

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ARTES PLÁSTICAS

Rodrigo Andrade comenta a arte "antialegria" dos anos 80 e sua atual fase, "livre de querer dizer algo"

"Produção afirmava vitalidade da pintura"

DA REDAÇÃO

Leia a seguir a continuação da entrevista com o artista plástico Rodrigo Andrade.
(ALEXANDRA MORAES)
 

Folha - E em que momento vocês descobrem Guston?
Rodrigo Andrade -
Eu gostava muito de quadrinhos e de pintura. Como se gosta de música, gostava de pintura. O Philip Guston nos permitiu conciliar Robert Crumb com Morandi. Quem percebeu o Guston primeiro foi o Paulo Monteiro. Eu estava em Paris e houve uma exposição do Guston aqui em São Paulo e ele mandou uma carta com um monte de recortes de jornal, dizendo: "Olha, esse cara é demais!". Eu estava vendo tanta coisa, mas não estava vendo Guston. Quando voltei, fomos ao MAM ver uns livros e eu chapei com aquilo, daí começamos a ler textos sobre ele.

Folha - Tinham consciência de que estavam formando um grupo?
Andrade -
Tínhamos. A gente discutia muito, havia uma intensidade muito grande entre nós.

Folha - Não havia um isolamento dos outros artistas?
Andrade -
Tinha... A gente era relativamente isolado. Tanto é que, quando houve a exposição da "Geração 80" ["Como Vai Você, Geração 80?", realizada em 84 no parque Lage, no Rio], a gente não sabia que estava ocorrendo, daí não entramos. Todo mundo estava lá, menos nós. Além disso, a "Geração 80" aconteceu no mesmo momento da "Painéis", em que estávamos eu, Paulo Monteiro e Nuno Ramos, no Paço das Artes, onde mostramos os painéis de esmalte sintético sobre papel craft pela primeira vez. E éramos mesmo um pouco diferentes do resto da geração. Fazíamos uma pintura um pouco diferente, com um apego à tradição da pintura que os outros não tinham.

Folha - Isso pode ter causado algum estranhamento?
Andrade -
Não. Quando nos perceberam, não. Logo viram que era uma coisa legal, que era algo expansivo e uma afirmação de vitalidade da pintura. A gente tinha consciência também da nossa ambição, de fazer um negócio com arte. Tínhamos uma grande autoconfiança.

Folha - Alimentada também pelo fato de vocês terem sido uma das "sensações" da Bienal de 85...
Andrade -
Sim, por ser um grupo e por ser jovem. A gente saía muito no jornal, mas não vendia muito trabalho. Era muito algo com mídia, de explorar a imagem, cinco moleques que se vestiam meio "punkudos". Teve um momento em que éramos superpaparicados, mas logo depois da Bienal era só implicância...

Folha - Por quê?
Andrade -
Por ser molecada, ter essa coisa muito afirmativa com qualidade de pintura. Aí, sim, isso começou a pesar, essa nossa opção por uma insistência na qualidade da pintura e uma diferenciação do resto da geração que eu acho que surgiu também. Num dado momento isso ficou um pouco claro. Tínhamos vontade de ser mais críticos.
E havia uma sensação de futilidade do mundo da arte. O próprio sucesso que fazíamos, achava aquilo idiota. As reportagens ficavam falando de coisas de rock... achava tudo fútil. Isso realçava a vontade de fazer uma pintura pesada, desagradável, que tivesse algo de "antialegria". Falavam: "Ah, alegria de pintar...". E a gente: "Que alegria, a gente quer expressar a angústia em pintar". Daí vinha também aquela fantasia juvenil que ajudava a manter esse elã.

Folha - De 85 até aqui, sua obra sofreu diversas guinadas, sem nunca mudar o suporte.
Andrade -
É, a curiosidade em resolver o problema espacial de um quadro para mim é inesgotável. A mudança começou a ocorrer logo depois da Bienal de 85. Fui o primeiro a expor depois da Casa 7, em 86, e já mostrei uma pintura completamente mudada, meio geométrica, com colagem, arte povera, o [Richard] Serra, outros artistas que entraram no meu rol de interesse. Existe uma variação entre algo mais figurativo e mais gestual e algo mais abstrato e que tende a uma simplificação. Há esse movimento na minha obra, sempre houve.

Folha - E como surgiram os quadrados atuais?
Andrade -
Eles nascem dos blocos no espaço [da pintura de 93 a 98". Foi não só mudança, mas depuração também. O que talvez aconteça nesses quadradinhos é que, pela primeira vez, me senti livre de querer dizer algo com a pintura. Gosto de pensar que essa pintura é uma mistura de Judd com Guston, algo improvável.


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