São Paulo, domingo, 23 de dezembro de 2007

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Série revive ano da eleição de Collor

"Queridos Amigos", escrita por Maria Adelaide Amaral, narra o reencontro de um grupo de amigos em novembro de 1989

Protagonista da minissérie, interpretado pelo ator Dan Stulbach, é inspirado em jornalista amigo da autora, que se suicidou em 1991

LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL

Autora das elogiadas "JK", "Um Só Coração" e "Os Maias", Maria Adelaide Amaral estréia em fevereiro, na Globo, sua nova minissérie. "Queridos Amigos" não será histórica, como as anteriores. Baseada em sua própria vida, narra o reencontro de um grupo de amigos em novembro de 1989. O protagonista, interpretado por Dan Stulbach, é inspirado no jornalista Décio Bar, amigo da autora, que se suicidou em 1991.
É sua morte que mobiliza a retomada da turma, que vivera intensamente os ideais da esquerda nos anos da ditadura militar. À Folha, a escritora fala sobre a decepção ao saber que a Globo abortara o projeto de sua série sobre Maurício de Nassau e conta que relação "Queridos Amigos" tem com a disputa entre Lula e Collor.  

FOLHA - O que achou de trocar Nassau por "Queridos Amigos"?
MARIA ADELAIDE AMARAL
- A história da troca começou no dia em que chamei o Dan Stulbach -ele faria o papel de Nassau- à minha casa, para dizer que infelizmente a minissérie havia sido adiada. Então o telefone tocou e era a [diretora] Denise Saraceni, que acabava de sair de uma reunião com o Mário Lúcio Vaz [diretor-geral artístico da Globo]. Ele tinha lhe perguntado se eu não tinha nada de minha autoria, passível de ser adaptado para minissérie. Nessa tarde estava particularmente irritada e respondi que não. E o Dan, que ouvia a conversa, observou que o romance "Aos Meus Amigos" daria uma minissérie. Considerei a idéia, escrevi um argumento e recebi sinal verde para fazer a sinopse. E então me dei conta de que estava fazendo o primeiro trabalho exclusivamente meu para a TV. No teatro e na literatura quase sempre fiz isso.

FOLHA - Lamenta o fato de a minissérie histórica sobre Nassau ter sido descartada em razão do custo alto?
AMARAL
- Quando ficou claro que Nassau não seria feita, fiquei muito desapontada. Durante um ano tinha pesquisado, viajado à Holanda e conversado com Evaldo Cabral de Mello, que seria o consultor, inúmeras vezes. Foi muito frustrante.

FOLHA - Por que escolheu novembro de 1989 para a minissérie?
AMARAL
- O país teve a sua primeira eleição direta para presidente da República após 20 anos. O dia 15 assinalou os cem anos da República. Caiu o Muro de Berlim. A inflação andava pela casa dos 50% ao mês. O desemprego campeava inclusive na nossa área. Em novembro de 1989 finalizei a edição de "Os Cem Anos da República", para a qual tinha sido chamada pela Nova Cultural (ex-Abril Cultural). A redação reunia jornalistas como Sérgio Pompeu e Renato Pompeu, free-lancers como eu e outros companheiros, naquele momento difícil. Foi minha última contribuição na indústria editorial. No ano seguinte iria para a TV.

FOLHA - Qual será o peso da campanha Lula x Collor? A série mostrará, por exemplo, o episódio do uso da ex-namorada do petista falando sobre o pedido de aborto na propaganda política do adversário?
AMARAL
- Não creio que a história chegue ao ponto mais acirrado da campanha. Isso nem teria peso na trama, uma vez que os meus queridos amigos votarão em peso no Lula, no segundo turno, com exceção de um, que votará nulo.

FOLHA - Na série, um grupo de amigos que viveu intensamente os anos 70 se desencontra e desencontra também seus ideais políticos. Já te vi em eventos do PSDB, como no jantar de apoio a Serra na casa de Raul Cortez. O que o fundo político/ ideológico de "Queridos Amigos" tem de relação com a sua trajetória?
AMARAL
- Entre os amigos da minissérie estão Léo, cineasta e escritor, alinhado com pensamentos de vanguarda; Ivan e Tito, jornalistas, ex-presos políticos; Pedro, autor de romances que denuncia os porões da ditadura militar; Bia, presa e torturada no DOI-Codi etc. A política impregna a vida deles.
Em 1989, estão revendo ou reforçando conceitos, se confrontando com ilusões perdidas e vivendo a ressaca das Diretas. Fiquei amiga do Serra em 1960, tomando o mesmo ônibus para o centro da cidade. Ele ia para a Poli e eu para o Banco da Lavoura de Minas Gerais, do qual saía às 19h para estudar no Colégio Estadual de São Paulo, onde conheci Décio Bar [jornalista que inspira o protagonista da minissérie]. Nunca me filiei a nenhum partido mas sempre me alinhei à esquerda. Fiz parte daquele grupo que, durante a ditadura, subscrevia abaixo-assinados contra a repressão, ajudava as famílias de companheiros presos, dava suporte à imprensa nanica, foi ao enterro e à missa do Vlado e angariava fundos para a greve do ABC.

FOLHA - Sua carreira de jornalista influenciou "Queridos Amigos"?
AMARAL
- Tive o privilégio de trabalhar na Abril na década de 70, na sua Divisão Cultural, que acolheu, a partir de 1969, professores afastados de seus cargos nas universidades pela ditadura, além de jornalistas e outros "refugiados" da repressão. A atmosfera era rica, linhas de pensamento variadas mas jamais dicotômicas. Todos sabiam quem era o inimigo comum. Foi esse clima de efervescência intelectual e de companheirismo que inspirou a maior parte de minhas obras.

FOLHA - O jornalista Décio Bar, seu amigo que se suicidou, inspirou o protagonista da minissérie?
AMARAL
- O que motivou o romance "Aos Meus Amigos" foi o suicídio do Décio Bar, em 1991. Ele foi uma das pessoas mais brilhantes que conheci: poeta e escritor, arquiteto, artista plástico, cineasta, jornalista. Era também muito exigente a respeito do seu trabalho. Décio influenciou meu gosto e minhas preferências ou idiossincrasias culturais. Sua morte me abalou profundamente e mobilizou a vontade de falar sobre ele e nossa geração.

FOLHA - Como as séries normalmente são de época, o tempo mais atual costuma ser relacionado às novelas. Como "Queridos Amigos" se diferencia de uma telenovela?
AMARAL
- É diferente uma novela de uma minissérie. Nesta, ainda mais porque o andamento do roteiro é cinematográfico. Há pouca concessão ao folhetim e nenhuma à linguagem.

FOLHA - Cogita voltar às novelas?
AMARAL
- Se me mandarem fazer, faço. Mas não o farei com o mesmo prazer com que faço minisséries. Começando pelo fato de que um autor de novela escreve um capítulo por dia e na minissérie tenho dois, três dias para isso, o que confere outra qualidade ao produto. E também porque as minisséries me permitem fazer uma das coisas que mais gosto: pesquisar intensamente.

FOLHA - Por fim, uma curiosidade: em 1989, votou em Lula ou Collor?
AMARAL
- Não voto. Sou portuguesa e não tive paciência para a burocracia da naturalização.


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