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Série revive ano da eleição de Collor
"Queridos Amigos", escrita por Maria Adelaide Amaral, narra o reencontro de um grupo de amigos em novembro de 1989
Protagonista da minissérie, interpretado pelo ator Dan Stulbach, é inspirado em jornalista amigo da autora, que se suicidou em 1991
LAURA MATTOS
DA REPORTAGEM LOCAL
Autora das elogiadas "JK",
"Um Só Coração" e "Os Maias",
Maria Adelaide Amaral estréia
em fevereiro, na Globo, sua nova minissérie. "Queridos Amigos" não será histórica, como as
anteriores. Baseada em sua
própria vida, narra o reencontro de um grupo de amigos em
novembro de 1989. O protagonista, interpretado por Dan
Stulbach, é inspirado no jornalista Décio Bar, amigo da autora, que se suicidou em 1991.
É sua morte que mobiliza a
retomada da turma, que vivera
intensamente os ideais da esquerda nos anos da ditadura
militar. À Folha, a escritora fala sobre a decepção ao saber
que a Globo abortara o projeto
de sua série sobre Maurício de
Nassau e conta que relação
"Queridos Amigos" tem com a
disputa entre Lula e Collor.
FOLHA - O que achou de trocar
Nassau por "Queridos Amigos"?
MARIA ADELAIDE AMARAL - A história da troca começou no dia em
que chamei o Dan Stulbach
-ele faria o papel de Nassau- à
minha casa, para dizer que infelizmente a minissérie havia sido adiada. Então o telefone tocou e era a [diretora] Denise Saraceni, que acabava de sair de
uma reunião com o Mário Lúcio Vaz [diretor-geral artístico
da Globo]. Ele tinha lhe perguntado se eu não tinha nada
de minha autoria, passível de
ser adaptado para minissérie.
Nessa tarde estava particularmente irritada e respondi que
não. E o Dan, que ouvia a conversa, observou que o romance
"Aos Meus Amigos" daria uma
minissérie. Considerei a idéia,
escrevi um argumento e recebi
sinal verde para fazer a sinopse.
E então me dei conta de que
estava fazendo o primeiro trabalho exclusivamente meu para a TV. No teatro e na literatura quase sempre fiz isso.
FOLHA - Lamenta o fato de a minissérie histórica sobre Nassau ter sido
descartada em razão do custo alto?
AMARAL - Quando ficou claro
que Nassau não seria feita, fiquei muito desapontada. Durante um ano tinha pesquisado,
viajado à Holanda e conversado
com Evaldo Cabral de Mello,
que seria o consultor, inúmeras
vezes. Foi muito frustrante.
FOLHA - Por que escolheu novembro de 1989 para a minissérie?
AMARAL - O país teve a sua primeira eleição direta para presidente da República após 20
anos. O dia 15 assinalou os cem
anos da República. Caiu o Muro
de Berlim. A inflação andava
pela casa dos 50% ao mês. O desemprego campeava inclusive
na nossa área. Em novembro de
1989 finalizei a edição de "Os
Cem Anos da República", para
a qual tinha sido chamada pela
Nova Cultural (ex-Abril Cultural). A redação reunia jornalistas como Sérgio Pompeu e Renato Pompeu, free-lancers como eu e outros companheiros,
naquele momento difícil. Foi
minha última contribuição na
indústria editorial. No ano seguinte iria para a TV.
FOLHA - Qual será o peso da campanha Lula x Collor? A série mostrará, por exemplo, o episódio do uso da ex-namorada do petista falando
sobre o pedido de aborto na propaganda política do adversário?
AMARAL - Não creio que a história chegue ao ponto mais
acirrado da campanha. Isso
nem teria peso na trama, uma
vez que os meus queridos amigos votarão em peso no Lula, no
segundo turno, com exceção de
um, que votará nulo.
FOLHA - Na série, um grupo de
amigos que viveu intensamente os
anos 70 se desencontra e desencontra também seus ideais políticos. Já
te vi em eventos do PSDB, como no
jantar de apoio a Serra na casa de
Raul Cortez. O que o fundo político/
ideológico de "Queridos Amigos"
tem de relação com a sua trajetória?
AMARAL - Entre os amigos da
minissérie estão Léo, cineasta e
escritor, alinhado com pensamentos de vanguarda; Ivan e
Tito, jornalistas, ex-presos políticos; Pedro, autor de romances que denuncia os porões da
ditadura militar; Bia, presa e
torturada no DOI-Codi etc. A
política impregna a vida deles.
Em 1989, estão revendo ou reforçando conceitos, se confrontando com ilusões perdidas e
vivendo a ressaca das Diretas.
Fiquei amiga do Serra em
1960, tomando o mesmo ônibus para o centro da cidade. Ele
ia para a Poli e eu para o Banco
da Lavoura de Minas Gerais, do
qual saía às 19h para estudar no
Colégio Estadual de São Paulo,
onde conheci Décio Bar [jornalista que inspira o protagonista
da minissérie]. Nunca me filiei
a nenhum partido mas sempre
me alinhei à esquerda. Fiz parte daquele grupo que, durante a
ditadura, subscrevia abaixo-assinados contra a repressão, ajudava as famílias de companheiros presos, dava suporte à imprensa nanica, foi ao enterro e à
missa do Vlado e angariava fundos para a greve do ABC.
FOLHA - Sua carreira de jornalista
influenciou "Queridos Amigos"?
AMARAL - Tive o privilégio de
trabalhar na Abril na década de
70, na sua Divisão Cultural, que
acolheu, a partir de 1969, professores afastados de seus cargos nas universidades pela ditadura, além de jornalistas e outros "refugiados" da repressão.
A atmosfera era rica, linhas de
pensamento variadas mas jamais dicotômicas. Todos sabiam quem era o inimigo comum. Foi esse clima de efervescência intelectual e de companheirismo que inspirou a
maior parte de minhas obras.
FOLHA - O jornalista Décio Bar, seu
amigo que se suicidou, inspirou o
protagonista da minissérie?
AMARAL - O que motivou o romance "Aos Meus Amigos" foi
o suicídio do Décio Bar, em
1991. Ele foi uma das pessoas
mais brilhantes que conheci:
poeta e escritor, arquiteto, artista plástico, cineasta, jornalista. Era também muito exigente
a respeito do seu trabalho. Décio influenciou meu gosto e minhas preferências ou idiossincrasias culturais. Sua morte me
abalou profundamente e mobilizou a vontade de falar sobre
ele e nossa geração.
FOLHA - Como as séries normalmente são de época, o tempo mais
atual costuma ser relacionado às novelas. Como "Queridos Amigos" se
diferencia de uma telenovela?
AMARAL - É diferente uma novela de uma minissérie. Nesta,
ainda mais porque o andamento do roteiro é cinematográfico.
Há pouca concessão ao folhetim e nenhuma à linguagem.
FOLHA - Cogita voltar às novelas?
AMARAL - Se me mandarem fazer, faço. Mas não o farei com o
mesmo prazer com que faço
minisséries. Começando pelo
fato de que um autor de novela
escreve um capítulo por dia e
na minissérie tenho dois, três
dias para isso, o que confere outra qualidade ao produto. E
também porque as minisséries
me permitem fazer uma das
coisas que mais gosto: pesquisar intensamente.
FOLHA - Por fim, uma curiosidade:
em 1989, votou em Lula ou Collor?
AMARAL - Não voto. Sou portuguesa e não tive paciência para
a burocracia da naturalização.
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