São Paulo, quinta-feira, 23 de dezembro de 2010

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CRÍTICA ENSAIO

"Bossa Nova e Crítica" discute a recepção do gênero na imprensa

Autora mostra que o estilo inaugur ou a moderni dade da crítica de música popular no país, a partir de 1958


UM DOS GRANDES MÉRITOS DO TRABALHO É O TRAÇADO DE UM CUIDADOSO MAPA DA CRÍTICA JORNALÍSTICA NO BRASIL


SIDNEY MOLINA
CRÍTICO DA FOLHA

Em crítica de 28 de fevereiro de 1958 no "Suplemento Literário" de "O Estado de S.
Paulo", José da Veiga Oliveira comenta -quase um ano depois de lançado- o LP "Canção do Amor Demais", no qual Elizete Cardoso (1920-1990) interpreta Tom Jobim (1927-1994) e Vinicius de Moraes (1913-1980), tendo ao fundo o (ainda) discreto violão de João Gilberto.
Experimentado no repertório do romantismo alemão, o autor do artigo escuta essa "música popular" como um ciclo próximo "aos melhores lieder, à maneira de Schumann sobre textos de Heine ou Eichendorff".
Baseado em tese de doutorado premiada pela Funarte e defendida na PUC-SP (sob a orientação de Leda Tenório da Motta), o livro "Bossa Nova e Crítica: Uma Polifonia de Vozes", de Liliana Bollos -pianista e professora do Conservatório de Tatuí-, resgata a crítica de jornais e revistas no período que vai do disco de Elizete às repercussões do histórico concerto no Carnegie Hall, em 21 de novembro de 1962.

FORMATO ACADÊMICO
O livro é bem escrito, embora o capítulo dois fique um pouco pressionado pela ânsia de levar em paralelo uma história das origens da MPB, o contexto social e político de Getúlio Vargas a Juscelino Kubitschek e o surgimento da crítica musical.
Alguns compromissos do formato acadêmico, dificilmente explicáveis pelo bom senso -como a análise da proliferação das mídias na era digital-, igualmente poderiam ter sido bastante enxugados na adaptação da tese ao livro.
Um dos grandes méritos do trabalho, entretanto, é o traçado de um cuidadoso mapa da crítica jornalística -literária e musical- no Brasil desde a polêmica entre Machado de Assis (1839-1908) e Sílvio Romero (1851-1914) no final do século 19 até os anos 1960.
A autora ratifica Mário de Andrade (1893-1945) como o maior nome da crítica musical brasileira da primeira metade do século 20, apesar de que, para ele, a expressão "música popular" ainda denota predominantemente o étnico, o folclore tomado como cerne utópico de seu projeto nacionalista.
Mas, mesmo após a morte de Mário, no auge da era do rádio, seja no viés sociologizante derivado dos acadêmicos paulistas da revista "Clima" ou do "new criticism" carioca de Afrânio Coutinho (1911-2000), a música popular urbana continua a não ter espaço de reflexão na mídia.
Assim, para Bollos, é justamente o advento da bossa nova que força, gradualmente, uma maioridade crítica para além de iniciativas isoladas, como as de Mariza Lira e Lúcio Rangel.

JOÃO E JOBIM
Em relação à análise da recepção da bossa nova empreendida pela autora, os jornais parecem unânimes em reconhecer de pronto a qualidade de Jobim como compositor e arranjador. João Gilberto, por outro lado, desperta sentimentos antagônicos e encontra forte resistência por parte dos que -como Hermínio Bello de Carvalho e Antônio Maria- recusam a aceitar sua coloquialidade vocal.
Bollos divide os responsáveis pela modernidade crítica da música popular brasileira em "nacionalistas" (de nomes como José Ramos Tinhorão e Nelson Lins de Barros), "estéticos" (entre os quais estão Luiz Cosme, Ilmar Carvalho, Rocha Brito, Ricardo Góes e Eurico Nogueira França) e "inventores" (tais como o maestro Júlio Medaglia e o concretista Augusto de Campos, que em 1968 publicou o definitivo "Balanço da Bossa").
No livro ganha especial espaço a cobertura do concerto do Carnegie Hall, desde a repercussão "negativa" -o chavão da "cantilena monótona", reflexo de um texto publicado no "New York Times"- até a influência gradual da análise ponderada de Sylvio Tullio Cardoso, crítico de "O Globo", que de fato presenciou o espetáculo.

BOSSA NOVA E CRÍTICA

AUTORA Liliana Harb Bollos
EDITORA Annablume/Funarte
QUANTO R$ 42 (264 págs.)
AVALIAÇÃO bom


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