São Paulo, quarta-feira, 24 de janeiro de 2001

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CRÍTICA

Novo livro explora riqueza da história contemporânea



RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS



Assim como em seu primeiro romance publicado no Brasil, "Sombras da Romãzeira", os personagens que Tariq Ali cria em "Medo de Espelhos" lutam para sobreviver em um mundo que não é mais o deles. O mundo que eles conheciam acabou, não existe mais, agora é apenas uma questão de como continuar.
Em "Sombras", o mundo pretérito era a Espanha islâmica; o mundo presente, a Espanha toda reconquistada pelos reis católicos, após a queda de Granada, no final do século 15. Os livros dos muçulmanos são queimados, a língua árabe é proibida e a conversão ao cristianismo, forçada por decreto.
São sete séculos de tradição árabe na Península Ibérica que estão para ser varridos para baixo do tapete. Nesse contexto histórico, a família de Omar bin Abdala tenta, em meio aos seus próprios dramas familiares, resolver se adere ao inevitável ou se luta a batalha que já sabe perdida.
Em "Medo de Espelhos", o mundo que passou é aquele do comunismo, das grandes esperanças de mudar a sociedade, das batalhas internas no regime que ia se tornando mais e mais autoritário. Mas o mundo pós-Muro de Berlim é a realidade na qual o judeu comunista Vladymir Meyer tem de sobreviver.
Professor de literatura, ativista político, ele foi despedido da Universidade Humbolt quando Berlim Oriental foi abocanhada, ou melhor, se jogou na boca do Ocidente; sua mulher se mudou para os EUA; seu filho, Karl, rapidamente subindo na hierarquia dos social-democratas, o considera um dinossauro; sua amante o largou; seu melhor amigo se matou.
Vlady sabe que aquele mundo em que viveu, em que cresceu, não existe mais. Ele vive uma situação extrema, tendo de redefinir seu caminho. Talvez por isso, o mais importante seja fazer as pazes com o passado e com sua própria história. Para isso, tenta se reaproximar de Karl. A correspondência entre os dois é o fio condutor do livro.
Nesse processo de reconciliação, achar o verdadeiro nome de seu próprio pai passa a ser uma obsessão. Essa busca, até mesmo interior, de lembranças e de cruzamento de recordações, é que leva a narrativa pelos diferentes períodos históricos, desde o final do século 19 até os dias de hoje.
A riqueza da história contemporânea é bem explorada no livro.
Tariq Ali vai e volta no tempo, usando uma linguagem próxima à cinematográfica. Sucedem-se a Rússia czarista, com seus pogroms, a Moscou de Stálin e a Moscou de hoje, dominada pela máfia. Estão lá a Viena pré e entre guerras, com a ascensão do nazismo, e a Berlim pós-Muro.
Mas são a Berlim e a Moscou atuais que dão a dimensão da decadência pessoal do ex-professor. São também um resultado funesto da luta idealista de cinco jovens judeus da Europa Central -entre eles Ludwik, que pode ser o pai tão procurado.
Há que se reconhecer que o anti-semitismo e o totalitarismo dessas épocas pontuam toda a narrativa de forma equilibrada.
O autor escapa do maniqueísmo fácil. Os personagens vivem suas contradições sem estarem divididos em bons e maus. Mesmo reconhecendo as mudanças do mundo, Tariq Ali não deixa de fazer uma bela crítica ao adesismo descontrolado à globalização.



Medo de Espelhos
Fear of Mirrors

   
Autor: Tariq Ali
Tradutor: Moacir Werneck de Castro
Lançamento: Record
Quanto: R$ 35 (320 págs.)




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