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CRÍTICA
Novo livro explora riqueza da história contemporânea
RODRIGO UCHÔA
COORDENADOR DE ARTIGOS E EVENTOS
Assim como em seu primeiro
romance publicado no Brasil, "Sombras da Romãzeira", os
personagens que Tariq Ali cria em
"Medo de Espelhos" lutam para
sobreviver em um mundo que
não é mais o deles. O mundo que
eles conheciam acabou, não existe
mais, agora é apenas uma questão
de como continuar.
Em "Sombras", o mundo pretérito era a Espanha islâmica; o
mundo presente, a Espanha toda
reconquistada pelos reis católicos,
após a queda de Granada, no final
do século 15. Os livros dos muçulmanos são queimados, a língua
árabe é proibida e a conversão ao
cristianismo, forçada por decreto.
São sete séculos de tradição árabe na Península Ibérica que estão
para ser varridos para baixo do tapete. Nesse contexto histórico, a
família de Omar bin Abdala tenta,
em meio aos seus próprios dramas familiares, resolver se adere
ao inevitável ou se luta a batalha
que já sabe perdida.
Em "Medo de Espelhos", o
mundo que passou é aquele do
comunismo, das grandes esperanças de mudar a sociedade, das
batalhas internas no regime que ia
se tornando mais e mais autoritário. Mas o mundo pós-Muro de
Berlim é a realidade na qual o judeu comunista Vladymir Meyer
tem de sobreviver.
Professor de literatura, ativista
político, ele foi despedido da Universidade Humbolt quando Berlim Oriental foi abocanhada, ou
melhor, se jogou na boca do Ocidente; sua mulher se mudou para
os EUA; seu filho, Karl, rapidamente subindo na hierarquia dos
social-democratas, o considera
um dinossauro; sua amante o largou; seu melhor amigo se matou.
Vlady sabe que aquele mundo
em que viveu, em que cresceu,
não existe mais. Ele vive uma situação extrema, tendo de redefinir seu caminho. Talvez por isso,
o mais importante seja fazer as
pazes com o passado e com sua
própria história. Para isso, tenta
se reaproximar de Karl. A correspondência entre os dois é o fio
condutor do livro.
Nesse processo de reconciliação, achar o verdadeiro nome de
seu próprio pai passa a ser uma
obsessão. Essa busca, até mesmo
interior, de lembranças e de cruzamento de recordações, é que leva a narrativa pelos diferentes períodos históricos, desde o final do
século 19 até os dias de hoje.
A riqueza da história contemporânea é bem explorada no livro.
Tariq Ali vai e volta no tempo,
usando uma linguagem próxima
à cinematográfica. Sucedem-se a
Rússia czarista, com seus pogroms, a Moscou de Stálin e a
Moscou de hoje, dominada pela
máfia. Estão lá a Viena pré e entre
guerras, com a ascensão do nazismo, e a Berlim pós-Muro.
Mas são a Berlim e a Moscou
atuais que dão a dimensão da decadência pessoal do ex-professor.
São também um resultado funesto da luta idealista de cinco jovens
judeus da Europa Central -entre
eles Ludwik, que pode ser o pai
tão procurado.
Há que se reconhecer que o anti-semitismo e o totalitarismo
dessas épocas pontuam toda a
narrativa de forma equilibrada.
O autor escapa do maniqueísmo fácil. Os personagens vivem
suas contradições sem estarem
divididos em bons e maus. Mesmo reconhecendo as mudanças
do mundo, Tariq Ali não deixa de
fazer uma bela crítica ao adesismo
descontrolado à globalização.
Medo de Espelhos
Fear of Mirrors
Autor: Tariq Ali
Tradutor: Moacir Werneck de Castro
Lançamento: Record
Quanto: R$ 35 (320 págs.)
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