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Vestida para roubar
O diretor Brian de Palma fala à Folha sobre violência, voyeurismo e seu novo filme, o thriller erótico "Femme Fatale", que estréia hoje
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SÉRGIO DÁVILA
DE NOVA YORK
O diretor Brian De Palma é tão
talentoso quanto mal-humorado.
A primeira qualidade pode ser
comprovada em filmes como
"Carrie - A Estranha" (1976),
"Vestida para Matar" (1980),
"Dublê de Corpo" (1984) ou "Os
Intocáveis" (1987), em que o norte-americano de 62 anos mistura
com sucesso a influência de Alfred Hitchcock (1899-1980) com
lampejos de genialidade própria.
A segunda característica se revela em qualquer conversa com
jornalistas, como a que teve em
dezembro último com a Folha,
por telefone, de sua casa em Paris,
onde mora hoje em dia a maior
parte do tempo. O diretor justifica
seu comportamento dizendo que
nem sempre os jornalistas, principalmente os dos EUA, o trataram
com o respeito que ele acha que
merece e que, além de tudo, já está
cansado de falar sobre seus filmes.
Mesmo assim, a entrevista foi
interessante e teve como tema
principal seu mais recente filme,
"Femme Fatale", que estreou no
final do ano passado nos EUA, ganhou algumas sessões de pré-estréia no Brasil recentemente e
abre hoje em circuito nacional.
No thriller erótico, De Palma dá
mais uma contribuição ao panteão cinematográfico de loiras
frias, calculistas e extremamente
sexies ao colocar a ex-modelo Rebecca Romijn-Stamos como uma
golpista que trai seus comparsas
em Paris, inventa uma nova vida
ao fugir para os EUA e volta como
uma grande mulher da sociedade,
que pode ver seu disfarce ser revelado por uma foto do paparazzo
interpretado por Antonio Banderas.
"Minha primeira idéia para o
filme foi a da "femme fatale", que
vai destruindo os que passam por
seu caminho", disse ele à Folha.
Leia o resto da conversa abaixo:
Folha - Há muito de "Vestida para
Matar" nesse filme. É proposital?
Brian de Palma - Você acha? Não
sei bem como responder a isso,
mas alguns pintores pintam de
certa maneira, alguns músicos
criam dentro de certo estilo, e esse
é o meu estilo. É claro que tem alguma coisa a ver com "Vestida"
na medida em que fui eu que fiz os
dois, sou o ponto em comum deles. E eu tenho estilo. Se você conhece mesmo a minha obra pode
reconhecer um filme meu na primeira cena. Isto dito, acho que
"Femme" é muito diferente de
"Vestida", pois a personagem
principal aqui é uma mulher.
Folha - E como surgiu esta personagem?
De Palma - Minha primeira idéia
para o filme foi a da "femme fatale", que vai destruindo os que passam por seu caminho. Tinha a
idéia desta personagem, que estava envolvida em um roubo, trai os
parceiros e foge com o dinheiro,
então tem de se esconder e acaba
indo parar em uma cidadezinha,
onde pensa estar a salvo. Até que
ela resolve roubar a vida de uma
sósia sua.
Folha - Nem tudo é o que parece,
porém, e o filme mostra ter algo de
jungiano, não?
De Palma - Não sou um estudioso da psicanálise, então prefiro
não comentar sobre isso. Há porém muitos sonhos e muita lógica
nos sonhos do filme, e eu queria
que fosse assim desde o começo,
mas é um roteiro feito intuitivamente. Tenho certeza de que
Freud e Jung poderiam ficar analisando os significados até o fim
da minha vida e da sua, mas eu
não vou fazer isso.
Folha - Alfred Hitchcock foi sua
primeira inspiração. Você ainda
pensa nele quando filma?
De Palma - Não, já sou um velho
cheio de experiências próprias.
Tenho mais de 60 anos, nessa idade Hitchcock estava filmando "Os
Pássaros". Acho que já desenvolvi
meu próprio jeito de pensar e de
contar história a essa altura. O
universo ainda é mais ou menos o
mesmo, suspense, horror, mistério e grandes sequências visuais,
mas já não penso nele. Não quando estou filmando, pelo menos.
Folha - Você também se tornou
uma grande inspiração para diretores mais jovens, como Quentin
Tarantino. Consegue ver sua influência no trabalho deles?
De Palma - Sim, acho que consigo localizar os que trabalham no
mesmo universo que eu, como
por exemplo Chris Nolan em
"Memento", David Lynch em
"Mulholland Drive". Não sei se
eles foram exatamente inspirados
pelo meu trabalho, mas vejo que
eles estão procurando um jeito de
contar histórias que foge do convencional, com três atos.
Folha - Todo rapper rico e famoso
é obcecado por seu "Scarface"
(1983). Alguns chegam mesmo a
ter quartos dedicados ao filme.
Qual o apelo específico?
De Palma - O filme fala do que
eles observam em suas vidas, nos
bairros em que moram, eles conhecem muito bem essa história
do auge e da queda de um traficante de drogas. E "Scarface",
sendo tão absurdo quanto é, foi
baseado em muitas reportagens e
pesquisas feitas pelo roteirista,
que é o Oliver Stone. Ele passou
meses metido nesse mundo e juntou histórias e criou os personagens. Acho que esse é o grande
trunfo e é por isso que ele continua tão vivo entre as pessoas que
conhecem o mundo das drogas e
do crime, como é o caso da maioria dos rappers.
Folha - Voyeurismo e violência
são temas recorrentes na sua obra.
De Palma - Já respondi a esta
pergunta milhões de vezes!
Folha - Aposto como é a primeira
vez para um brasileiro.
De Palma - OK, concedo que seu
argumento é bom. Tanto o voyeurismo quanto a violência são ótimos no cinema, extremamente cinematográficos. Eis um dos aspectos em que Hitchcock foi pioneiro. A violência só fica tão bem
no cinema, é uma série de imagens fortes que provoca emoções
intensas, é quase como a definição do que eu faço no cinema. E
não há como retratar a violência
melhor do que no cinema. Não
adianta pintar um quadro sobre
isso, compor uma música, fazer
uma peça de teatro.
Folha - Seu próximo filme será
mesmo adaptação do romance
"Toyer", de Gardner McKay?
De Palma - Sim. Estou trabalhando nisso neste momento, por sinal você está me interrompendo...
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