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A pequena história de uma grande conspiração
Diário da filha de Benjamin Constant revela o cotidiano familiar de um dos articuladores do golpe que resultou na proclamação da República
SYLVIA COLOMBO
DA REPORTAGEM LOCAL
"Acordei hoje ao toque de
trombetas dos soldados e assustada levantei-me e soube
então por mamãe que vieram
de madrugada alguns oficiais
para irem com papai para o
quartel-general, pois receavam
que o movimento para república rebentasse hoje."
Começa assim o registro que
Bernardina Botelho de Magalhães fez do dia 15 de novembro
de 1889, em seu diário pessoal.
Aos 16 anos, a garota não era
só uma jovem habitante da cidade do Rio de Janeiro. Mas,
sim, filha de Benjamin Constant (1836-1891), líder militar e
intelectual adepto do positivismo, um dos principais articuladores da conspiração golpista
que depôs a monarquia e instaurou a República.
"O Diário de Bernardina",
lançado agora pela editora Zahar, reúne notas de cadernos
escritos pela adolescente nesse
momento de profunda transformação histórica do país.
O texto foi estabelecido pelo
antropólogo Celso Castro, professor da Fundação Getulio
Vargas, e pelo historiador Renato Lemos, que leciona na
Universidade Federal do Rio de
Janeiro. Os originais estão no
Museu Casa de Benjamin
Constant, também no Rio.
O dia-a-dia de Bernardina
não era diferente do de outras
meninas de sua idade e condição social. Afazeres domésticos
e preocupações com a saúde de
pessoas próximas ocupavam a
maior parte do tempo dessa típica filha de uma família de
classe média ilustrada de então.
Costurar camisolas, fronhas
e meias; fazer doces; receber visitas e preocupar-se com parentes doentes praticamente
preenchiam todos os seus dias.
A princípio, a leitura dessas
notas, que começam em 7 de
agosto de 1889, é aborrecida, tamanha a repetição de ações e a
confusão causada pela enumeração de diferentes personagens -familiares e amigos-
que frequentam a casa.
Questão militar
Mas, aos poucos, as movimentações do pai começam a
chamar atenção, misturando-se à sua modorrenta rotina. Em
29 de agosto, relata: "Comecei o
outro aventalzinho e, como Alvina não veio por causa da chuva, adiantei muito nele. Papai
foi de noite ao Clube Militar."
Bernardina, apesar da pouca
idade e de não poder sair muito
de casa, tem percepção aguçada. Sem entender bem o que
era a tal "questão militar", de
que o pai tanto se ocupava, a
menina ainda assim dá-se conta de que algo importante para
o país estava para acontecer.
A "questão militar" foi a série
de conflitos entre Exército e
governo imperial que deu espaço à campanha republicana, vitoriosa em 15 de novembro.
Nesse contexto, saltam aos
olhos da garota as saídas repentinas de casa de um pai até ali
profundamente dedicado aos
filhos. Assim como seus encontros com oficiais, as noites passadas no quartel e as notícias de
acalorados discursos que fazia
a colegas de farda. Nas notas do
diário, porém, o que ressalta
mesmo é o tom de admiração e
orgulho de Bernardina com relação a tudo o que ele fazia.
"Às vésperas da República,
não havia uma tensão social
que se pudesse sentir de forma
clara. Ela tampouco tinha noção de que o pai estava à frente
de uma conspiração golpista. À
medida que o tempo passa, percebe, mas apenas em parte, a
relevância histórica do momento. Curiosamente, no final,
a encontramos confeccionando
algumas das primeiras bandeiras republicanas", contaram os
pesquisadores à Folha.
Para estes, Bernardina não
teria notado, sequer, que o risco da operação que o pai orquestrava era imenso e que, se
não desse certo, ele poderia
morrer por integrar o conluio.
A família vivia no Imperial
Instituto dos Meninos Cegos,
que Benjamin Constant dirigiu. Bernardina era uma das
seis crianças do casamento entre Constant e Maria Joaquina
da Costa. "Ele sempre foi muito apegado à família. Foi um
homem que se fez pelo próprio
esforço, trabalhou muito, estava o tempo todo endividado.
Essas notas dão a dimensão de
como eram simples os hábitos
de sua casa e de quão dedicado
ele era com os seus", dizem.
Contribuição
Os dois estudiosos encontraram os papéis de Bernardina
em meio ao acervo do prócer
enquanto realizavam suas pesquisas. Ambos os trabalhos, porém, pouco têm a ver com o
teor essencialmente íntimo do
material. Castro estuda a relação dos militares e a República,
e Lemos publicou a biografia:
"Benjamin Constant -Vida e
História" (Topbooks).
"Os diários são ricos especialmente para os adeptos da
nova história, que hoje está tão
em evidência. Permitem perceber a dimensão da grande história a partir da vida e do cotidiano do Rio da época."
Há poucos registros do destino de Bernardina após a morte
de Constant, em 1891. "Não se
guardou muita coisa, pois a família deixou de estar em evidência. Não sabemos se ela
continuou suas anotações", dizem Castro e Lemos. Tudo leva
a crer que sua vida voltou a ser
ordinária e familiar. Casou-se
moça e morreu em 1928, aos 55.
O DIÁRIO DE BERNARDINA
Organização: Celso Castro e Renato
Lemos
Editora: Zahar
Preço: R$ 29 (120 págs.)
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