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São Paulo, segunda-feira, 24 de fevereiro de 2003

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CINEMA

Atriz encarna rigidez do corpo e da alma

TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA

Aproveitando o cartaz da atriz, o Cinesesc dá hoje início a uma pequena mostra do trabalho de Isabelle Huppert no cinema. Sua intrigante persona cinematográfica, algo rígida e indiferente, bressoniana por excelência, pareceu sempre transcender os limites da direção de seu velho comparsa Claude Chabrol.
A heroína chabroliana tende ao crime, mas costuma ser, antes de tudo, uma vítima da sociedade. Huppert, por sua vez, costuma ser vítima da sociologia chabroliana, que é tanto mais pseudo quanto mais se evidenciam, nos filmes da dupla, os preconceitos de classe do cineasta.
Em "La Cérémonie", Isabelle Huppert fazia uma empregada doméstica que matava os patrões eruditos, sob a influência da TV. Chabrol demonstrava ali o mesmo distanciamento e, no fundo, o mesmo desprezo pelas personagens femininas pobres e incultas que já revelara em seu clássico polêmico "Les Bonnes Femmes" (1962).
Nos anos 70, Huppert obteve de Godard, em "Sauve Qui Peut (La Vie)", filme em que fazia o papel de uma prostituta pragmática e fria, uma espécie de prognóstico: na sociedade moderna, a prostituição é a via de regra e afeta, acima de tudo, o espírito.
No trabalho com Michael Haneke em "A Professora de Piano", Huppert parece ter encontrado a personagem que sempre buscou em Chabrol e, junto a ela, um diagnóstico definitivo: o que, para os cineastas dos anos 60/70, parecia ser sintoma desse adoecimento do espírito inerente à vida moderna, a desnaturação do amor e a banalização do atroz (da violência), revelou-se um câncer.
Haneke é um dos cineastas contemporâneos mais sensíveis a essa degenerescência. Sua personagem não é inculta, mas alguém de formação erudita, o que demonstra o quão alastrado está, para Haneke, o câncer da sociedade moderna.
A incapacidade de amar, o gosto pela dor e a delícia de (se) fazer mal: rigidez do corpo e da alma. A Isabelle Huppert de Michael Haneke encarna tudo o que os autores modernos do pós-guerra mais temiam.


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