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CINEMA
Atriz encarna rigidez do corpo e da alma
TIAGO MATA MACHADO
CRÍTICO DA FOLHA
Aproveitando o cartaz da
atriz, o Cinesesc dá hoje início a uma pequena mostra do trabalho de Isabelle Huppert no cinema. Sua intrigante persona cinematográfica, algo rígida e indiferente, bressoniana por excelência, pareceu sempre transcender
os limites da direção de seu velho
comparsa Claude Chabrol.
A heroína chabroliana tende ao
crime, mas costuma ser, antes de
tudo, uma vítima da sociedade.
Huppert, por sua vez, costuma ser
vítima da sociologia chabroliana,
que é tanto mais pseudo quanto
mais se evidenciam, nos filmes da
dupla, os preconceitos de classe
do cineasta.
Em "La Cérémonie", Isabelle
Huppert fazia uma empregada
doméstica que matava os patrões
eruditos, sob a influência da TV.
Chabrol demonstrava ali o mesmo distanciamento e, no fundo, o
mesmo desprezo pelas personagens femininas pobres e incultas
que já revelara em seu clássico polêmico "Les Bonnes Femmes"
(1962).
Nos anos 70, Huppert obteve de
Godard, em "Sauve Qui Peut (La
Vie)", filme em que fazia o papel
de uma prostituta pragmática e
fria, uma espécie de prognóstico:
na sociedade moderna, a prostituição é a via de regra e afeta, acima de tudo, o espírito.
No trabalho com Michael Haneke em "A Professora de Piano",
Huppert parece ter encontrado a
personagem que sempre buscou
em Chabrol e, junto a ela, um
diagnóstico definitivo: o que, para
os cineastas dos anos 60/70, parecia ser sintoma desse adoecimento do espírito inerente à vida moderna, a desnaturação do amor e a
banalização do atroz (da violência), revelou-se um câncer.
Haneke é um dos cineastas contemporâneos mais sensíveis a essa
degenerescência. Sua personagem não é inculta, mas alguém de
formação erudita, o que demonstra o quão alastrado está, para Haneke, o câncer da sociedade moderna.
A incapacidade de amar, o gosto
pela dor e a delícia de (se) fazer
mal: rigidez do corpo e da alma. A
Isabelle Huppert de Michael Haneke encarna tudo o que os autores modernos do pós-guerra mais
temiam.
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