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São Paulo, segunda-feira, 24 de fevereiro de 2003

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ANÁLISE

"Yu-gi-oh" aponta para mudanças

ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA

A TV já não atrai mais tanto quanto costumava. Em tempos em que o apelo da comunicação em rede e da interatividade vão se estabelecendo, o cinquentenário veículo de massa perde a primazia. Programas, como o desenho animado "Yu-gi-oh" (Nickelodeon), que estimulam a associação com jogos, ganham proeminência, em detrimento de formatos tradicionais que permitem menos interação.
As crianças, usual público cativo do veículo e segmento estratégico para o mercado publicitário, sinalizam tendências para o futuro. Elas não são mais tão fáceis de conquistar. Crianças abandonadas na frente da TV vão se tornando mais raras.
O público infantil seleciona. E seleciona programas que têm a ver com atividades apropriáveis em seu cotidiano.
"Yu-gi-oh", mais uma criação da indústria japonesa, é a coqueluche do momento. Crianças ligam a TV especialmente para assisti-lo, desligando ao final para se dedicar a outras atividades.
"Yu-gi-oh", como seu antecessor, "Pokémon", narra as aventuras de um grupo de amigos, entre os quais o herói Yugii Muto. Personagens que no seriado anterior eram treinadores de monstrinhos, que tinham vida própria, fases evolutivas e transformações previstas para acontecer ao longo de vidas dedicadas ao combate guerreiro, agora são jogadores de cartas.
Os custosos "cards", que substituem os álbuns de figurinha, na função de coleção e competição, e que fizeram muito do sucesso de "Pokémon", no caso de "Yu-gi-oh", fazem a ligação direta entre o desenho, o consumo e a brincadeira em casa. A animação, primária no que tange à linguagem audiovisual, promove o jogo, sugerindo manobras, táticas e estratégicas.
O desenho é bastante descritivo. Longos relatos dos personagens explicam verbalmente a ação. As imagens ilustram essa explicação verbal. Os personagens se movem pouco. Movimentos simples de câmera muitas vezes substituem a animação.
O passeio da câmera de alto a baixo sobre um desenho parado indica que determinado personagem está em foco. Recursos de zoom, para dentro e para fora, constituem outro recurso básico usado à exaustão na narrativa "Yo-gi-ho".
O primarismo do desenho, feito para ser dublado em várias línguas, é tal, que nem sincronia entre som e movimento labial existe. É comum personagens falarem sem que suas bocas se movam. Os roteiros se resumem a embates maniqueístas, enfeitados com alusões místicas.
O que importa aqui não é a sofisticação de linguagem. O que importa é a lógica do jogo de cartas, composto de uma combinação complexa de variáveis que as crianças se esmeram em aprender e exercitar. O desenho de TV, bem como eventuais versões fílmicas que venham a aparecer, se realizam no jogo presencial de cartas.
Horas seguidas de assistência passiva talvez estejam prestes a se tornar exceção. A mudança pode vir a ser, mas não é necessariamente positiva. Chama a atenção a ausência de produção nacional nessa área. A demanda por uma programação de qualidade, menos voltada ao consumismo e menos violenta continua valendo.


Esther Hamburger é antropóloga e professora da ECA-USP


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