|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
ANÁLISE
"Yu-gi-oh" aponta para mudanças
ESTHER HAMBURGER
ESPECIAL PARA A FOLHA
A TV já não atrai mais tanto
quanto costumava. Em tempos em que o apelo da comunicação em rede e da interatividade
vão se estabelecendo, o cinquentenário veículo de massa perde a
primazia. Programas, como o desenho animado "Yu-gi-oh" (Nickelodeon), que estimulam a associação com jogos, ganham proeminência, em detrimento de formatos tradicionais que permitem
menos interação.
As crianças, usual público cativo do veículo e segmento estratégico para o mercado publicitário,
sinalizam tendências para o futuro. Elas não são mais tão fáceis de
conquistar. Crianças abandonadas na frente da TV vão se tornando mais raras.
O público infantil seleciona. E
seleciona programas que têm a
ver com atividades apropriáveis
em seu cotidiano.
"Yu-gi-oh", mais uma criação
da indústria japonesa, é a coqueluche do momento. Crianças ligam a TV especialmente para assisti-lo, desligando ao final para se
dedicar a outras atividades.
"Yu-gi-oh", como seu antecessor, "Pokémon", narra as aventuras de um grupo de amigos, entre
os quais o herói Yugii Muto. Personagens que no seriado anterior
eram treinadores de monstrinhos, que tinham vida própria, fases evolutivas e transformações
previstas para acontecer ao longo
de vidas dedicadas ao combate
guerreiro, agora são jogadores de
cartas.
Os custosos "cards", que substituem os álbuns de figurinha, na
função de coleção e competição, e
que fizeram muito do sucesso de
"Pokémon", no caso de "Yu-gi-oh", fazem a ligação direta entre o
desenho, o consumo e a brincadeira em casa. A animação, primária no que tange à linguagem
audiovisual, promove o jogo, sugerindo manobras, táticas e estratégicas.
O desenho é bastante descritivo.
Longos relatos dos personagens
explicam verbalmente a ação. As
imagens ilustram essa explicação
verbal. Os personagens se movem
pouco. Movimentos simples de
câmera muitas vezes substituem a
animação.
O passeio da câmera de alto a
baixo sobre um desenho parado
indica que determinado personagem está em foco. Recursos de
zoom, para dentro e para fora,
constituem outro recurso básico
usado à exaustão na narrativa
"Yo-gi-ho".
O primarismo do desenho, feito
para ser dublado em várias línguas, é tal, que nem sincronia entre som e movimento labial existe.
É comum personagens falarem
sem que suas bocas se movam. Os
roteiros se resumem a embates
maniqueístas, enfeitados com
alusões místicas.
O que importa aqui não é a sofisticação de linguagem. O que
importa é a lógica do jogo de cartas, composto de uma combinação complexa de variáveis que as
crianças se esmeram em aprender
e exercitar. O desenho de TV, bem
como eventuais versões fílmicas
que venham a aparecer, se realizam no jogo presencial de cartas.
Horas seguidas de assistência
passiva talvez estejam prestes a se
tornar exceção. A mudança pode
vir a ser, mas não é necessariamente positiva. Chama a atenção
a ausência de produção nacional
nessa área. A demanda por uma
programação de qualidade, menos voltada ao consumismo e menos violenta continua valendo.
Esther Hamburger é antropóloga e
professora da ECA-USP
Texto Anterior: Cinema: Polanski vence o César com "O Pianista" Próximo Texto: Multimídia: Fumaça e galinhas invadem Laboratório Índice
|