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São Paulo, segunda-feira, 24 de fevereiro de 2003

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Imaginário da cultura negra no Brasil é reunido em mostra com curadoria de Emanoel Araújo

Recordações afro-brasileiras

ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO

Um resgate da memória brasileira, ao mesmo tempo resultado de um projeto de 20 anos e embrião de uma empreitada futura. Esse é o conjunto das cerca de 500 obras que compõem "Negras Memórias, Memórias de Negros - O Imaginário Luso-Afro-Brasileiro e a Herança da Escravidão", primeira mostra que Emanoel Araújo, 61, realiza em São Paulo depois de sua saída da diretoria da Pinacoteca do Estado.
A exposição já foi apresentada no Rio de Janeiro em 2001, inaugurada no dia 20 de novembro como uma homenagem a Zumbi dos Palmares, mas chega à galeria do Sesi, em São Paulo, com o acréscimo do "luso" ao título.
"A exposição ganhou também o imaginário português, porque sem ele não dá para amarrar essa história cultural miscigenada, mulata e tropical do Brasil", diz Emanoel.
A referência aparece logo na entrada da mostra, com "Barroco Rebolado", de Sílvio Robatto, uma série de ampliações fotográficas com intervenções feitas no computador sobre as gárgulas do barroco nacional português.
"Essas máscaras sofrem influência tardia do gótico e têm significado oposto àquele das máscaras africanas, pois representam bem/mal, têm uma concepção católica", explica o curador.
Máscaras africanas, vindas de países como Angola e Nigéria, realizam a contraposição à visão portuguesa, e as brasileiras traduzem a miscigenação de que o curador fala e que perpassa toda a mostra.
Nas paredes, mapas dos navios negreiros e da África com a divisão de etnias ilustram o sentido do deslocamento e da convivência. Instrumentos originais de punição de escravos fazem reverberar castigos mostrados em fotos, gravuras e aquarelas.
O sincretismo religioso é representado em retratos de chefes espirituais do candomblé, fotografias e fantasias das festas religiosas trazidas pelos portugueses e adaptadas ao Brasil. Uma plotagem da pintura do teto da nave central da Ordem Terceira de São Francisco de Assis, em Ouro Preto (MG), feita no século 18 por Manoel da Costa Ataíde, mostra uma Nossa Senhora da Porciúncula e dois anjinhos de traços negros.
"Ataíde era casado com uma negra e tinha dois filhos mulatos, e essa é uma homenagem que faz a eles", explica Emanoel Araújo.
Há também imagens de santos e uma parede dedicada a ex-votos.
A arte contemporânea não fica de fora. Obras de artistas plásticos como Mestre Didi, Rubem Valentim, fotografias de Mario Cravo Neto, Walter Firmo, Pierre Verger e Madalena Schwartz retratam personalidades e festividades que fazem parte da cultura afro-brasileira. As fotos de Verger estão dispostas duas a duas, estabelecendo paralelos entre os mesmos cultos realizados na África e no Brasil.
As personalidades também são lembradas no "Túnel da Memória", uma galeria de dezenas de fotos. E há ainda litografias, aquarelas e reproduções plotadas de obras de Rugendas e Debret, além de fotografias do pioneiro Victor Frond e pinturas acadêmicas do século 19 feitas por artistas negros.
As peças pertencem a coleções particulares e ao Museu do Ipiranga, em São Paulo. Muitas delas são da coleção do próprio Emanoel Araújo, que as vem juntando há 20 anos e já planeja um museu sobre o tema na Bela Vista. "É a memória dessas pessoas que, a despeito de todas as coisas, construiu um imaginário, nosso imaginário. É isso que faz do Brasil um país muito original", diz.


NEGRAS MEMÓRIAS, MEMÓRIAS DE NEGROS - O IMAGINÁRIO LUSO-AFRO-BRASILEIRO E A HERANÇA DA ESCRAVIDÃO. Quando: hoje, às 19h; de ter. a sáb., das 10h às 20h; dom., das 10h às 19h; até 29/6. Onde: galeria de arte do Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/3146-7405). Quanto: entrada franca.


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