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Imaginário da cultura negra no Brasil é reunido em mostra com curadoria de Emanoel Araújo
Recordações afro-brasileiras
ALEXANDRA MORAES
DA REDAÇÃO
Um resgate da memória brasileira, ao mesmo tempo resultado
de um projeto de 20 anos e embrião de uma empreitada futura.
Esse é o conjunto das cerca de 500
obras que compõem "Negras Memórias, Memórias de Negros - O
Imaginário Luso-Afro-Brasileiro
e a Herança da Escravidão", primeira mostra que Emanoel Araújo, 61, realiza em São Paulo depois
de sua saída da diretoria da Pinacoteca do Estado.
A exposição já foi apresentada
no Rio de Janeiro em 2001, inaugurada no dia 20 de novembro como uma homenagem a Zumbi
dos Palmares, mas chega à galeria
do Sesi, em São Paulo, com o
acréscimo do "luso" ao título.
"A exposição ganhou também o
imaginário português, porque
sem ele não dá para amarrar essa
história cultural miscigenada,
mulata e tropical do Brasil", diz
Emanoel.
A referência aparece logo na entrada da mostra, com "Barroco
Rebolado", de Sílvio Robatto,
uma série de ampliações fotográficas com intervenções feitas no
computador sobre as gárgulas do
barroco nacional português.
"Essas máscaras sofrem influência tardia do gótico e têm significado oposto àquele das máscaras africanas, pois representam
bem/mal, têm uma concepção católica", explica o curador.
Máscaras africanas, vindas de
países como Angola e Nigéria,
realizam a contraposição à visão
portuguesa, e as brasileiras traduzem a miscigenação de que o curador fala e que perpassa toda a
mostra.
Nas paredes, mapas dos navios
negreiros e da África com a divisão de etnias ilustram o sentido
do deslocamento e da convivência. Instrumentos originais de punição de escravos fazem reverberar castigos mostrados em fotos,
gravuras e aquarelas.
O sincretismo religioso é representado em retratos de chefes espirituais do candomblé, fotografias e fantasias das festas religiosas
trazidas pelos portugueses e
adaptadas ao Brasil. Uma plotagem da pintura do teto da nave
central da Ordem Terceira de São
Francisco de Assis, em Ouro Preto (MG), feita no século 18 por
Manoel da Costa Ataíde, mostra
uma Nossa Senhora da Porciúncula e dois anjinhos de traços negros.
"Ataíde era casado com uma
negra e tinha dois filhos mulatos,
e essa é uma homenagem que faz
a eles", explica Emanoel Araújo.
Há também imagens de santos e
uma parede dedicada a ex-votos.
A arte contemporânea não fica
de fora. Obras de artistas plásticos
como Mestre Didi, Rubem Valentim, fotografias de Mario Cravo
Neto, Walter Firmo, Pierre Verger
e Madalena Schwartz retratam
personalidades e festividades que
fazem parte da cultura afro-brasileira. As fotos de Verger estão dispostas duas a duas, estabelecendo
paralelos entre os mesmos cultos
realizados na África e no Brasil.
As personalidades também são
lembradas no "Túnel da Memória", uma galeria de dezenas de fotos. E há ainda litografias, aquarelas e reproduções plotadas de
obras de Rugendas e Debret, além
de fotografias do pioneiro Victor
Frond e pinturas acadêmicas do
século 19 feitas por artistas negros.
As peças pertencem a coleções
particulares e ao Museu do Ipiranga, em São Paulo. Muitas delas
são da coleção do próprio Emanoel Araújo, que as vem juntando
há 20 anos e já planeja um museu
sobre o tema na Bela Vista. "É a
memória dessas pessoas que, a
despeito de todas as coisas, construiu um imaginário, nosso imaginário. É isso que faz do Brasil
um país muito original", diz.
NEGRAS MEMÓRIAS, MEMÓRIAS DE
NEGROS - O IMAGINÁRIO LUSO-AFRO-BRASILEIRO E A HERANÇA DA
ESCRAVIDÃO. Quando: hoje, às 19h; de
ter. a sáb., das 10h às 20h; dom., das 10h
às 19h; até 29/6. Onde: galeria de arte do
Sesi (av. Paulista, 1.313, tel. 0/xx/11/3146-7405). Quanto: entrada franca.
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