São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2005

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MÚSICA

A volta do Pau Brasil, um patrimônio nacional

ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA

A primeira boa notícia é que o Pau Brasil está de volta. Fundado em 1979 e metamorfoseado várias vezes ao longo das décadas de 80 e 90, o grupo chega agora a essa estupenda formação, com os veteranos Nelson Ayres (teclados), Teco Cardoso (sax e flauta), Paulo Bellinati (violão) e Rodolfo Stroeter (baixo) e o novato Ricardo Mosca (bateria). Terça-feira foi a estréia, para uma pequena platéia no pequeno teatro nas catacumbas do Crowne Plaza.
O teatro era pequeno mesmo para a energia incrível que o quinteto tira do nada num segundo. Cada músico desses é um mestre, tocando com o misto de intensidade e desprendimento, em doses sucessivas ou combinadas, que só os que são realmente do ramo conseguem dominar. Em conjunto, agregam a isto uma voltagem de alegria que às vezes explode em humor, e outras tantas numa forma diferente de bem-estar, que só se pode chamar de musical.
Seja em quase clássicos como "Arte de Voar" e "Caminho de Casa", composições de Nelson Ayres, de seu disco "Mantiqueira" (1981) -prestes a ser relançado, em versão remasterizada-, seja num clássico dos clássicos como "Na Baixa do Sapateiro", de Ary Barroso, o Pau Brasil não desperdiça nem um compasso sequer e vai criando espaços na música para que cada um venha dizer a que veio.
Anteontem, para dar só um exemplo, Bellinati foi se endiabrando no violão "frame", que ele tocou com palheta do início ao fim do show, num registro que fazia a improvável costura de Hélio Delmiro e Joe Pass, Garoto e Weather Report, Baden Powell e Stan- ley Jordan. (Os nomes aqui servem só de atalho para o que não tem nome. E servem também de símbolo para a antropofagia oswaldiana de raiz, encontrando no grupo um inesperado profeta.)
A seu lado ficava o irresistível Teco Cardoso, com seu lenço de pirata e sua gentil exuberância, musical e humana. E no canto esquerdo Nelson Ayres, a maturidade em arte, segurança no meio do redemoinho, sem perder a vivacidade jamais. Tocou dois teclados, na falta de piano, que acabou nem fazendo falta. Uma espécie de novo piano elétrico do século 21, ecoando os tempos do início do grupo com arrojo e conseqüência.
E Rodolfo Stroeter? Se é para ficar nas misturas: caretas de Jimi Hendrix, som de Pablo Casals. Um baixo (elétrico ou acústico) rico de arpejos e corajoso no contraponto. Falar em arpejos da bateria parece demais, mas é o que dá vontade, pensando no que fez o estreante Ricardo Mosca, um desses músicos que faz a gente se reconciliar com a bateria. Caretas de Pablo Casals (quer dizer: nenhuma), som de Jimi Hendrix tocando seu solo mais cheio de nuance.
Que o grupo toca com liberdade é uma de suas maiores virtudes. Mas a precisão de ataques súbitos (como em "O Pulo do Gato", de Bellinati) e o rigor nas mudanças de pulso e compasso (como nas quebradas em 7/8 da "Baixa do Sapateiro"), faziam ver que tudo ali está subordinado a uma inteligência maior, que é de todos e não é de ninguém. O mesmo viço enchia de música o forrozão do fim.
A segunda boa notícia é que o Pau Brasil vai gravar disco novo, em março. Um grupo desses já é patrimônio do país, madeira de lei que se deve preservar e cultivar.


Pau Brasil
    

Onde: teatro Crowne Plaza (r. Frei Caneca, 1.360, Consolação, tel. 0/xx/11/ 3289-0985)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: R$ 15


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