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MÚSICA
A volta do Pau Brasil, um patrimônio nacional
ARTHUR NESTROVSKI
ARTICULISTA DA FOLHA
A primeira boa notícia é que
o Pau Brasil está de volta.
Fundado em 1979 e metamorfoseado várias vezes ao longo das
décadas de 80 e 90, o grupo chega
agora a essa estupenda formação,
com os veteranos Nelson Ayres
(teclados), Teco Cardoso (sax e
flauta), Paulo Bellinati (violão) e
Rodolfo Stroeter (baixo) e o novato Ricardo Mosca (bateria). Terça-feira foi a estréia, para uma pequena platéia no pequeno teatro
nas catacumbas do Crowne Plaza.
O teatro era pequeno mesmo
para a energia incrível que o quinteto tira do nada num segundo.
Cada músico desses é um mestre,
tocando com o misto de intensidade e desprendimento, em doses
sucessivas ou combinadas, que só
os que são realmente do ramo
conseguem dominar. Em conjunto, agregam a isto uma voltagem
de alegria que às vezes explode em
humor, e outras tantas numa forma diferente de bem-estar, que só
se pode chamar de musical.
Seja em quase clássicos como
"Arte de Voar" e "Caminho de
Casa", composições de Nelson
Ayres, de seu disco "Mantiqueira"
(1981) -prestes a ser relançado,
em versão remasterizada-, seja
num clássico dos clássicos como
"Na Baixa do Sapateiro", de Ary
Barroso, o Pau Brasil não desperdiça nem um compasso sequer e
vai criando espaços na música para que cada um venha dizer a que
veio.
Anteontem, para dar só um
exemplo, Bellinati foi se endiabrando no violão "frame", que ele
tocou com palheta do início ao
fim do show, num registro que fazia a improvável costura de Hélio
Delmiro e Joe Pass, Garoto e Weather Report, Baden Powell e Stan-
ley Jordan. (Os nomes aqui servem só de atalho para o que não
tem nome. E servem também de
símbolo para a antropofagia oswaldiana de raiz, encontrando no
grupo um inesperado profeta.)
A seu lado ficava o irresistível
Teco Cardoso, com seu lenço de
pirata e sua gentil exuberância,
musical e humana. E no canto esquerdo Nelson Ayres, a maturidade em arte, segurança no meio do
redemoinho, sem perder a vivacidade jamais. Tocou dois teclados,
na falta de piano, que acabou nem
fazendo falta. Uma espécie de novo piano elétrico do século 21,
ecoando os tempos do início do
grupo com arrojo e conseqüência.
E Rodolfo Stroeter? Se é para ficar nas misturas: caretas de Jimi
Hendrix, som de Pablo Casals.
Um baixo (elétrico ou acústico)
rico de arpejos e corajoso no contraponto. Falar em arpejos da bateria parece demais, mas é o que
dá vontade, pensando no que fez
o estreante Ricardo Mosca, um
desses músicos que faz a gente se
reconciliar com a bateria. Caretas
de Pablo Casals (quer dizer: nenhuma), som de Jimi Hendrix tocando seu solo mais cheio de
nuance.
Que o grupo toca com liberdade
é uma de suas maiores virtudes.
Mas a precisão de ataques súbitos
(como em "O Pulo do Gato", de
Bellinati) e o rigor nas mudanças
de pulso e compasso (como nas
quebradas em 7/8 da "Baixa do
Sapateiro"), faziam ver que tudo
ali está subordinado a uma inteligência maior, que é de todos e não
é de ninguém. O mesmo viço enchia de música o forrozão do fim.
A segunda boa notícia é que o
Pau Brasil vai gravar disco novo,
em março. Um grupo desses já é
patrimônio do país, madeira de
lei que se deve preservar e cultivar.
Pau Brasil
Onde: teatro Crowne Plaza (r. Frei
Caneca, 1.360, Consolação, tel. 0/xx/11/
3289-0985)
Quando: hoje, às 21h
Quanto: R$ 15
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