São Paulo, sábado, 24 de fevereiro de 2007

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Livros - Crítica/prosa poética

Trevisan ainda ecoa em obra de Bueno

COLUNISTA DA FOLHA

Reunidos num pequeno estojo, "Bolero's Bar" e "Diário Vagau" são a reedição em dois volumes do primeiro livro do paranaense Wilson Bueno.
Em nota de apresentação, o escritor explica que acrescentou ao "Bolero's Bar" original, de 1986, alguns textos inéditos, desmembrando-os em "escrituras mais ficcionais" (agrupadas sob o título primitivo) e num conjunto complementar de "registros melhor afins (...) com a realidade".
Ou seja, "Bolero's Bar" deveria ser lido como coletânea de contos e "Diário Vagau" como livro de crônicas. A rigor, porém, não se nota tal distinção, que soa como lance de marketing (embalagem nova para produto antigo).
Tampouco há indicação de quais textos foram acrescentados -e, como não se percebem oscilações de tom, o que salta aos olhos é a unidade do conjunto, garantida por uma escrita que pode ser qualificada como "prosa poética".
Na grande maioria dos textos, uma situação ficcional ou um fato cotidiano deflagra um movimento reflexivo, que passa a ser a própria matéria literária: monólogos e diálogos com interlocutores imaginários (fantasmas do passado e do presente); crispações interiores e evocações de caráter elegíaco, lamentoso. Duas constantes atravessam os livros: o narrador que fala sempre de um "tugúrio" (palavra recorrente no léxico do autor) e a figura do "vagau". No primeiro caso, o casebre designa um lugar que é ao mesmo tempo social e metafórico.
"Mora comigo no subúrbio um demônio empalhado", diz uma das personagens, sintetizando essa situação de rebaixamento econômico (mas também moral) que permite lançar sobre a realidade um olhar satânico, desviante.
Já o vagau (variação de "vagal", vagabundo) é uma versão gaiata do "flâneur" baudelairiano, o diletante que perambula pela cidade -com a diferença que, aqui, o ócio urbano é compulsório, fruto da exclusão. A síntese dessas presenças emblemáticas está em "Natureza Viva", conto em que o narrador fala ao vagau, de quem é uma versão ensimesmada:
"Teu mundo se acanhou consideravelmente. Habitas a toca e nela tens pretendido ampliar países e continentes. Pelos andaimes, sujas escadas do tugúrio, o que sobra do teu coração é um atlas aberto para os acidentes do homem. (...) Vai, tímido vagau, participar com mãos operárias da aturdida oficina humana".

Narrador das margens
O narrador de Bueno transita pelas "madrugadas do arrabalde", mas sua dicção é sempre cultivada. Evita o mimetismo da fala popular e às vezes derrapa para um tom solene que provoca estridências, resvalando no kitsch ("quis experimentar do incêndio a volúpia da chama em brasa").
E, em se tratando de livro em que a capital paranaense está onipresente, é inevitável o paralelo com Dalton Trevisan -cujos ecos se fazem ouvir no "Bolero Curitibano". Ambos farejam perversões na calada da noite, mas o minimalista "vampiro de Curitiba" deriva para o escárnio e a tara, ao passo que Wilson Bueno acaba criando uma atmosfera tardo-simbolista, povoada por gigolôs, michês, travestis e outras personagens da fauna "underground".
Isso torna seu livro de estréia um tanto anacrônico, mas já revela o virtuosismo estilístico que ele viria a desenvolver em ficções mais maduras, como "Mar Paraguayo" (delirante fusão lingüística de portunhol com guarani) ou "Meu Tio Roseno, a Cavalo" (paródia dos romances da cavalaria). (MANUEL DA COSTA PINTO)

BOLERO'S BAR/DIÁRIO VAGAU   
Autor: Wilson Bueno
Editora: Travessa dos Editores
Quanto: R$ 35 (116 págs. o volume)


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