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Livros - Crítica/prosa poética
Trevisan ainda ecoa em obra de Bueno
COLUNISTA DA FOLHA
Reunidos num pequeno
estojo, "Bolero's Bar" e
"Diário Vagau" são a
reedição em dois volumes do
primeiro livro do paranaense
Wilson Bueno.
Em nota de apresentação, o
escritor explica que acrescentou ao "Bolero's Bar" original,
de 1986, alguns textos inéditos,
desmembrando-os em "escrituras mais ficcionais" (agrupadas sob o título primitivo) e
num conjunto complementar
de "registros melhor afins (...)
com a realidade".
Ou seja, "Bolero's Bar" deveria ser lido como coletânea de
contos e "Diário Vagau" como
livro de crônicas.
A rigor, porém, não se nota
tal distinção, que soa como lance de marketing (embalagem
nova para produto antigo).
Tampouco há indicação de
quais textos foram acrescentados -e, como não se percebem
oscilações de tom, o que salta
aos olhos é a unidade do conjunto, garantida por uma escrita que pode ser qualificada como "prosa poética".
Na grande maioria dos textos, uma situação ficcional ou
um fato cotidiano deflagra um
movimento reflexivo, que passa a ser a própria matéria literária: monólogos e diálogos com
interlocutores imaginários
(fantasmas do passado e do
presente); crispações interiores e evocações de caráter elegíaco, lamentoso.
Duas constantes atravessam
os livros: o narrador que fala
sempre de um "tugúrio" (palavra recorrente no léxico do autor) e a figura do "vagau". No
primeiro caso, o casebre designa um lugar que é ao mesmo
tempo social e metafórico.
"Mora comigo no subúrbio
um demônio empalhado", diz
uma das personagens, sintetizando essa situação de rebaixamento econômico (mas também moral) que permite lançar
sobre a realidade um olhar satânico, desviante.
Já o vagau (variação de "vagal", vagabundo) é uma versão
gaiata do "flâneur" baudelairiano, o diletante que perambula
pela cidade -com a diferença
que, aqui, o ócio urbano é compulsório, fruto da exclusão. A
síntese dessas presenças emblemáticas está em "Natureza
Viva", conto em que o narrador
fala ao vagau, de quem é uma
versão ensimesmada:
"Teu mundo se acanhou consideravelmente. Habitas a toca
e nela tens pretendido ampliar
países e continentes. Pelos andaimes, sujas escadas do tugúrio, o que sobra do teu coração é
um atlas aberto para os acidentes do homem. (...) Vai, tímido
vagau, participar com mãos
operárias da aturdida oficina
humana".
Narrador das margens
O narrador de Bueno transita
pelas "madrugadas do arrabalde", mas sua dicção é sempre
cultivada. Evita o mimetismo
da fala popular e às vezes derrapa para um tom solene que provoca estridências, resvalando
no kitsch ("quis experimentar
do incêndio a volúpia da chama
em brasa").
E, em se tratando de livro em
que a capital paranaense está
onipresente, é inevitável o paralelo com Dalton Trevisan
-cujos ecos se fazem ouvir no
"Bolero Curitibano". Ambos farejam perversões na calada da
noite, mas o minimalista "vampiro de Curitiba" deriva para o
escárnio e a tara, ao passo que
Wilson Bueno acaba criando
uma atmosfera tardo-simbolista, povoada por gigolôs, michês,
travestis e outras personagens
da fauna "underground".
Isso torna seu livro de estréia
um tanto anacrônico, mas já revela o virtuosismo estilístico
que ele viria a desenvolver em
ficções mais maduras, como
"Mar Paraguayo" (delirante fusão lingüística de portunhol
com guarani) ou "Meu Tio Roseno, a Cavalo" (paródia dos romances da cavalaria).
(MANUEL DA COSTA PINTO)
BOLERO'S BAR/DIÁRIO VAGAU
Autor: Wilson Bueno
Editora: Travessa dos Editores
Quanto: R$ 35 (116 págs. o volume)
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