|
Texto Anterior | Próximo Texto | Índice
análise
Só "Juno" pode salvar uma premiação sem graça
Vitalidade do filme contrasta com
peso e reverência de "Sangue Negro'
INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA
Não se fala uma linha
em Hollywood sem
ajuda dos roteiristas. E
eles são grevistas contumazes e
durões. As séries de TV já estavam no toco, nas reprises, e
eles, parados.
Mas voltaram para o Oscar.
Um Oscar que promete ser um
tanto chocho, na verdade. Para
evitar que isso aconteça, o mínimo a fazer é dar o prêmio de
melhor roteiro a "Juno", um filme não sem problemas (um deles, aliás, vem do roteiro: todos
os personagens têm o mesmo
tipo de humor mordaz), mas
também não sem uma vitalidade que vem, em grande medida,
do roteiro. Há quanto tempo
não víamos em cena uma adolescente com pais (uma madrasta, inclusive) tão compreensivos? Não custa fugir à
convenção.
Mas o que fará a diferença
num Oscar para "Juno" é menos o roteiro propriamente dito do que sua autora, Brooke
Busey-Hunt, que atende pelo
nome de Diablo Cody, nos
meios literários e cinematográficos, mas já se chamou Bonbon
e Roxanne, entre outros, no
tempo em que fazia strip-tease.
Só ela pode restaurar a falta de
respeitabilidade do cinema, o
que "Juno" às vezes até ameaça
fazer.
Do outro lado, o da reverência, está "Sangue Negro", de
Paul Thomas Anderson, que
parece carregar nos ombros o
peso da tradição cinematográfica. Ao assisti-lo, lembramos
de "Assim Caminha a Humanidade", de "Ouro e Maldição", de
"Cidadão Kane", só para ficar
nos mais óbvios. Assim como é
óbvia a trajetória de Daniel
Plainview e mais óbvio ainda
que Daniel Day-Lewis tem de
ganhar o prêmio de melhor
ator. Todos os demais concorrentes são ótimos, não há dúvida, mas o papel de Day-Lewis é
o filme de Anderson, além de
ser difícil pra caramba. O filme,
no mais, é bem menos impressionante do que ele.
Com o mesmo senso de humor e leveza que a levou à indicação de "Juno" como melhor
filme, a Academia podia ter indicado "Os Senhores do Crime", de David Cronenberg, ou
"Sweeney Todd", de Tim Burton: têm a cara da vitalidade do
cinema, são fiéis a si mesmos,
mas capazes, sempre, de trilhar
caminhos inesperados. Mas as
indicações de Viggo Mortensen
("Os Senhores do Crime") e
Johnny Depp ("Sweeney
Todd") para melhor ator são
animadoras.
É difícil falar de atriz, já que
alguns filmes ainda não chegaram a nós. Em todo caso, se Cate Blanchett não ganhar, já estaremos no lucro. Não por ela:
"Elizabeth - Os Anos de Ouro" é
um tormento (e os produtores
já nos ameaçam com uma terceira parte).
Nunca fui muito fã dos irmãos Coen, mas "Onde os Fracos Não Têm Vez" é, de longe, o
filme mais inteiro dos que concorrem a melhor filme e/ou direção. Tem uma questão que
desenvolve (o passar do tempo,
as mudanças, as inadequações
a que são submetidos os velhos), um elenco forte e enfrenta de frente os problemas e riscos do "thriller", sem defender-se do eventual ridículo (coisa
que os Coen costumam fazer).
Como a véspera é feita mesmo
para palpites, se o prêmio roteiro original me parece oportuno, que vá para Diablo Cody
(quando mais não seja pelo nome), os Coen poderiam bem levar o de roteiro adaptado, junto
com os de direção e filme.
Texto Anterior: Saiba mais: França tem boa presença na festa dos EUA Próximo Texto: Estatuetas Índice
|