São Paulo, domingo, 24 de fevereiro de 2008

Texto Anterior | Próximo Texto | Índice

análise

Só "Juno" pode salvar uma premiação sem graça

Vitalidade do filme contrasta com peso e reverência de "Sangue Negro'

INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Não se fala uma linha em Hollywood sem ajuda dos roteiristas. E eles são grevistas contumazes e durões. As séries de TV já estavam no toco, nas reprises, e eles, parados.
Mas voltaram para o Oscar. Um Oscar que promete ser um tanto chocho, na verdade. Para evitar que isso aconteça, o mínimo a fazer é dar o prêmio de melhor roteiro a "Juno", um filme não sem problemas (um deles, aliás, vem do roteiro: todos os personagens têm o mesmo tipo de humor mordaz), mas também não sem uma vitalidade que vem, em grande medida, do roteiro. Há quanto tempo não víamos em cena uma adolescente com pais (uma madrasta, inclusive) tão compreensivos? Não custa fugir à convenção.
Mas o que fará a diferença num Oscar para "Juno" é menos o roteiro propriamente dito do que sua autora, Brooke Busey-Hunt, que atende pelo nome de Diablo Cody, nos meios literários e cinematográficos, mas já se chamou Bonbon e Roxanne, entre outros, no tempo em que fazia strip-tease. Só ela pode restaurar a falta de respeitabilidade do cinema, o que "Juno" às vezes até ameaça fazer.
Do outro lado, o da reverência, está "Sangue Negro", de Paul Thomas Anderson, que parece carregar nos ombros o peso da tradição cinematográfica. Ao assisti-lo, lembramos de "Assim Caminha a Humanidade", de "Ouro e Maldição", de "Cidadão Kane", só para ficar nos mais óbvios. Assim como é óbvia a trajetória de Daniel Plainview e mais óbvio ainda que Daniel Day-Lewis tem de ganhar o prêmio de melhor ator. Todos os demais concorrentes são ótimos, não há dúvida, mas o papel de Day-Lewis é o filme de Anderson, além de ser difícil pra caramba. O filme, no mais, é bem menos impressionante do que ele.
Com o mesmo senso de humor e leveza que a levou à indicação de "Juno" como melhor filme, a Academia podia ter indicado "Os Senhores do Crime", de David Cronenberg, ou "Sweeney Todd", de Tim Burton: têm a cara da vitalidade do cinema, são fiéis a si mesmos, mas capazes, sempre, de trilhar caminhos inesperados. Mas as indicações de Viggo Mortensen ("Os Senhores do Crime") e Johnny Depp ("Sweeney Todd") para melhor ator são animadoras.
É difícil falar de atriz, já que alguns filmes ainda não chegaram a nós. Em todo caso, se Cate Blanchett não ganhar, já estaremos no lucro. Não por ela: "Elizabeth - Os Anos de Ouro" é um tormento (e os produtores já nos ameaçam com uma terceira parte).
Nunca fui muito fã dos irmãos Coen, mas "Onde os Fracos Não Têm Vez" é, de longe, o filme mais inteiro dos que concorrem a melhor filme e/ou direção. Tem uma questão que desenvolve (o passar do tempo, as mudanças, as inadequações a que são submetidos os velhos), um elenco forte e enfrenta de frente os problemas e riscos do "thriller", sem defender-se do eventual ridículo (coisa que os Coen costumam fazer). Como a véspera é feita mesmo para palpites, se o prêmio roteiro original me parece oportuno, que vá para Diablo Cody (quando mais não seja pelo nome), os Coen poderiam bem levar o de roteiro adaptado, junto com os de direção e filme.


Texto Anterior: Saiba mais: França tem boa presença na festa dos EUA
Próximo Texto: Estatuetas
Índice



Copyright Empresa Folha da Manhã S/A. Todos os direitos reservados. É proibida a reprodução do conteúdo desta página em qualquer meio de comunicação, eletrônico ou impresso, sem autorização escrita da Folhapress.