São Paulo, quinta-feira, 24 de fevereiro de 2011

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"Beauvoir me ensinou a ver o mundo"

Claude Lanzmann comenta a importância da autora e de Sartre em sua vida, mas nega sexo coletivo entre eles

Autor de documentário sobre o Holocausto, francês critica tendência da imprensa em "demonizar" Israel

Divulgação
Cena de "Shoah", documentário sobre sobreviventes de campos de concentração que Claude Lanzmann lançou em 1985

COLABORAÇÃO PARA A FOLHA,
DE PARIS


Leia a continuação da entrevista com Claude Lanzmann.

 


Folha - No livro, o senhor faz perfis de Sartre e de Simone de Beauvoir, de quem o senhor fala com grande admiração. Qual a importância que ela teve em sua vida ?
Claude Lanzmann
- Ela teve uma enorme importância. Havia entre nós uma diferença de idade não tão grande, ela tinha 44 anos e eu 27.
Fui o único homem com quem ela teve uma vida conjugal, marital, durante quase oito anos. Quando a conheci ela não tinha mais relações sexuais com Sartre. Muitas pessoas dizem que fazíamos sexo coletivo. Não é verdade.

Ela foi a mulher de sua vida ou uma mulher importante em sua vida ?
Não sei como dizer. Tive diversas mulheres na minha vida. Ela foi muito importante, havia uma grande confiança entre nós.
Ela me ensinou o mundo, ela me mostrou tudo o que ela conhecia e eu obriguei-a a pensar porque não sou um sujeito muito simples.

Qual a qualidade mais importante de Simone de Beauvoir?
Oh lá-lá. Primeiramente a alegria, ela era alegre, engraçada, não mentia a ela mesma, a honestidade intelectual e a sede de conhecimento, de ver.
Quando fazia uma viagem, ela queria ver tudo, as menores estradas, os menores monumentos. Ela me amava muito e mesmo depois da ruptura, que foi iniciativa minha. Ela ficou infeliz mas nós continuamos amigos.

O sr. diz que o livro "Reflexões sobre a Questão Judaica", de Sartre, foi muito importante para o sr., mas que depois discordou de algumas ideias dele. Quais?
Sartre dizia: "São os antissemitas que criam os judeus". Não é verdade. Os judeus não são uma criação dos antissemitas. Há um povo judeu com uma longa história, uma transmissão obstinado pela tradição.

O sr. fala das cartas de amor que Simone de Beauvoir lhe mandou. O sr. pensa em publicá-las?
Não tenho direito. A lei francesa proíbe a publicação e somente os herdeiros legais podem fazê-lo. Não tenho o direito de publicá-las.

Somente Sylvie Le Bon de Beauvoir, filha de Simone, tem o direito de publicar a correspondência?
Sylvie Le Bon de Beauvoir tentou me eliminar da vida de Simone de Beauvoir.

O senhor passou 12 anos fazendo o filme "Shoah", uma "obra-prima", segundo Beauvoir escreveu no "Le Monde". O filme é a obra de sua vida?
Ele é muito importante, mas fiz também outros filmes. E "A Lebre da Patagônia" também é importante.

O senhor fez dois filmes sobre Israel, "Pourquoi Israel" e "Tsahal". Israel está condenado a viver em estado de guerra?
Não sei se Israel está condenado a viver em estado de conflito permanente. É uma guerra que dura cem anos.
O que se passa no Egito pode gerar coisas positivas. A imprensa do mundo costuma demonizar Israel. Israel não é um país de assassinos.
A solução do conflito é difícil, complicada. Os palestinos estão armados, os elementos radicais que querem a destruição de Israel estão mais fortes.

Os pacifistas israelenses não têm razão de querer fazer a paz e ver a criação do Estado Palestino?
Não, eles estão errados em não verem a realidade e quererem culpar Israel de tudo. Você é uma pacifista?

Eu não vim responder a perguntas, vim fazer perguntas.
Você é judia ?

Não. Como o senhor vê o debate em torno do livro "Indignez-Vous", do francês Stéphane Hessel, que defende a ideia de que a criação de um Estado Palestino seria do maior interesse de Israel ?
Ele é um homem detestável. O livro é nulo. Eu o critiquei numa entrevista que dei na semana passada.

O senhor participou juntamente com Sartre e Beauvoir da luta anticolonial contra a guerra da Argélia. Em que a ocupação israelense é diferente da ocupação francesa na Argélia ?
Não há nenhuma relação. A Argélia era uma colônia francesa dominada por colonos poderosos, ricos, sustentados pelo exército francês. Não se compara com a situação em Israel. Lá nem se fala em colônias. Fala-se de implantações.

Mas não deixam de ser colônias construídas nas terras que, segundo a ONU, pertencem aos palestinos.
As implantações são construídas nos desertos. Não havia nada antes. Os árabes não faziam nada neles. Foram os israelenses quem fertilizaram tudo.
As implantações são feitas como os kibboutzim de outros tempos. Eles eram postos de fronteiras, os árabes estavam em guerra contra Israel. As implantações foram criadas sob esse modelo, mas os israelenses evacuaram muitas delas.

Como o senhor vê as duas revoluções em curso no Egito e na Tunísia ?
Acho muito bom. O que surpreende é como o Egito dá o exemplo.
As pessoas não podiam mais suportar as injustiças sociais, as desigualdades, a corrupção, a oposição entre a miséria e o ouro dos dirigentes. O que é formidável é que, nos dias de rebelião, o nome de Israel não foi pronunciado, não é central para eles. A paz será mais fácil de ser feita com pessoas assim.

O senhor quer dizer com um regime democrático?
Sim, mas com esses jovens que têm essa energia. Isso gera uma grande esperança.

O Brasil e outros países da América Latina como a Argentina, o Uruguai e a Bolívia reconheceram o Estado Palestino. Como o senhor vê isso?
Eles reconheceram o Estado Palestino? Fizeram uma coisa errada. É preciso que o Estado Palestino se reconheça a si mesmo.

Há um movimento para que isso seja proclamado na ONU em setembro, durante a Assembleia Geral.
Vamos ver.
(LENEIDE DUARTE-PLON)


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