São Paulo, segunda, 24 de fevereiro de 1997.

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CINEMA
Roteirista David Newman fala em Miami sobre as críticas e a polêmica que cercou o uso de violência no filme
`Bonnie & Clyde', 30, ganha homenagem

EDIANA BALLERONI
especial para a Folha, em Miami

"Eles são jovens, eles se amam, eles matam pessoas" dizia o anúncio em inglês do hoje clássico ``Bonnie & Clyde''.
O filme colocou muito sangue na tela e usou a câmera intimista da Nouvelle Vague para fazer o espectador se aproximar e amar aqueles dois jovens que gostavam de aparecer nos jornais, tirar fotos e escrever poesia, mas que de vez em quando matavam alguém.
``Bonnie & Clyde'' conta a real história de Bonnie Parker e de Clyde Barrow, dois jovens do Texas que aterrorizaram o meio-oeste dos EUA roubando bancos na década de 30 -até serem mortos em uma emboscada.
Eles roubavam bancos, mas não os clientes; Bonnie escrevia poesias e Clyde amava sua parceira e queria casar com ela, mas não conseguia fazê-la feliz na cama.
``Bonnie & Clyde'' foi taxado de exaltador da violência, anticapitalista, antiestablishment. O sistema financeiro, conta a lenda, pressionou contra a sua distribuição -temiam que virasse moda assaltar bancos, como virou moda o figurino de Bonnie.
Lançado em 1967, o filme está completando trinta anos e é um marco na história do cinema. O Festival de Miami fez uma homenagem especial, na semana passada, ao seu aniversário. Estavam presentes o diretor Arthur Penn, a atriz Estelle Parsons e o roteirista David Newman, que deu a seguinte entrevista à Folha:

Folha - ``Bonnie & Clyde'' foi visto como um filme antiestablisment. A sua concepção teve a ver com o ideário da contracultura?
David Newman -
Bob (Robert Benton, co-roteirista) e eu acreditávamos que muitos dos valores do "underworld' (submundo) da década de 20 haviam sido assimilados pelo "underground" da década de 60. ``Bonnie & Clyde'' poderiam ter feito parte da gangue de Andy Warhol ou vice-versa. Eles dividiam o desejo comum de se tornarem celebridades.
Folha - O lançamento foi cercado de muita polêmica...
Newman -
No começo defendíamos a violência e a sua necessidade no filme, depois nos cansamos e paramos. Aí vieram as teorias: era uma metáfora sobre a guerra do Vietnã, contra a brutalidade na América, pelo desarmamento etc. Houve uma jornalista que escreveu uma teoria sobre o significado do vidro quebrado no filme. Era interessante, mas não houve nada intencional no vidro quebrado. Aquilo era um filme sobre gângsteres.
Folha - Aquele foi o seu primeiro roteiro. De onde saiu a idéia?
Newman -
Bob e eu trabalhávamos na revista ``Esquire''. Ele era diretor de arte, eu era editor. Começamos a escrever juntos, a fazer matérias juntos, a ir ao cinema juntos. A redação ficava ao lado do MoMA, que tem um departamento de filme fantástico e vivia exibindo Fellini, Antonioni, Bergman, Truffaut e Godard. Nós também fazíamos freelance juntos. Tínhamos uma coluna sobre o ponto de vista masculino na revista ``Mademoiselle''. Aí começamos a escrever sobre comportamento na ``Esquire''.
Parece simples falar sobre os anos 60 hoje, mas na época, quando estávamos vivenciando o momento, não era. As matérias tiveram tanta repercussão que virou uma coluna. Tivemos, então, a idéia para ``Bonnie & Clyde''. Eles eram pessoas do ano 60 vivendo nos anos 30. Era assim que víamos a história deles.
Folha - Quando o filme foi lançado, a crítica européia o recebeu melhor do que a americana...
Newman -
O ``New York Times'' tinha um crítico de cinema há quase 30 anos que foi assistir o filme no Festival de Montreal e escreveu uma crítica insultante, afirmando que o filme era uma apologia da violência, uma exaltação do crime, etc. Ele não entendeu nada.
O filme estreou nos EUA e começou a ser elogiado. A ``Newsweek'' também publicou uma crítica negativa. Uma semana depois -eu nunca tinha visto isso- o mesmo crítico se "retratou". Ele disse que os seus amigos insistiram tanto que ele estava errado, que ele resolveu ver o filme novamente. E tinha achado genial.
Finalmente, o ``The New Yorker'' publicou um ensaio de 40 páginas sobre o filme. Positivo. Foi fantástico. Na Europa, a crítica recebeu muito bem e o público aguardava ansiosamente o lançamento. Foi sucesso em todos os lugares. As mulheres passaram a usar a "moda Bonnie". A música de banjo começou a ser tocada. Virou mania.
Folha - O filme foi elogiado pela precisão histórica. Todos os fatos são reais?
Newman -
Sim, exceto um deles. Inventamos a tatuagem em C.W. (um dos membros da gangue, interpretado por Michael Pollard, cujo pai arma com a polícia a emboscada para Bonnie e Clyde). O pai de C.W. podia entender que o filho era um ladrão e um assassino, mas não podia aceitar que ele fosse diferente, que ele tivesse uma tatuagem no peito, porque Bonnie gostava. A estória da tatuagem reforça a idéia que queríamos passar de que a sociedade não sabe lidar com quem é diferente.
Folha - O que veio depois de ``Bonnie & Clyde''?
Newman -
Benton e eu continuamos trabalhando juntos por vários anos. Fizemos ``There Was a Crooked Man'', ``What's Up, Doc?'', ``Bad Company'', ``Oh! Calcutta!'' e outros. Depois ele foi dirigir filmes, e eu fui escrever.
Na década de 80, escrevi a trilogia de ``Superman'' com minha mulher, Leslie. Às vezes também escrevo com meu filho, Nathan. Escrevi o filme "Santa Claus", em que trabalhou Dudley Moore, e "Moonwalker", para Michael Jackson. Também fiz um de que não me orgulho muito, "Sheena".
Folha - Quais são os seus projetos atuais?
Newman -
Estou escrevendo com minha mulher o roteiro de "Takedown", um filme baseado na história real de como o especialista em computadores Shimamura pegou um "racker" que o Pentágono e o FBI perseguiam há muito tempo.
Vou começar os ensaios da peça "The Life", um musical que escrevi sobre a vida das prostitutas da região de Times Square na década de 80, que estréia na Broadway em abril. Também acabo de escrever "Men's Lives", que terá música de Billy Joel e será estrelado por Alec Baldwin, e fala da vida dos pescadores do lado leste de Long Island.


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