São Paulo, terça, 24 de fevereiro de 1998

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Soul II Soul resiste a modismos

da Reportagem Local

"Time for Change", quinto disco do Soul II Soul (sexto, se se contar uma coletânea de 93), que a PolyGram faz chegar ao Brasil, é manifesto de insistência de uma banda em extinção. Considerando que a banda tem sido veículo para os humores de um homem-show, Jazzie B, pode-se dizer que Jazzie B é um homem em extinção.
À sua maneira, o artista inglês faz algo análogo ao que Bootsy Collins vem fazendo há décadas -mantém operante o maquinário da alma negra, em seu caso adaptando-a à velocidade dos 90.
Jazzie B vem de Bristol, Inglaterra, torrão que viu nascer expoentes modernosos como Portishead, Massive Attack e Tricky -suas chances de permanência parecem ínfimas se comparadas às deles.
Soul II Soul vive, desde mais ou menos a explosão inicial, em 88, com o hit "Keep on Movin'", processo contínuo de submersão.
Na ocasião, foi saudada como a revolução do fim dos 80 -talvez fosse, de fato. Correu, em 90, a lançar "1990 A New Decade", comemorando aquela que poderia ser a sua década. Os malvados 90, entretanto, lhe foram cruéis. Cada novo -e bom- disco foi menos notado que o anterior, apenas porque o sujeito se mantinha fiel a uns poucos -e bons- princípios.
Assim, ninguém mais quer saber deste "Time for Change". E, já prevendo tal possibilidade, Jazzie B aproveitou o trabalho para ceder a certas pressões de mercado.
Começa o CD por "Camdino Soul", em morna clave drum'n' bass. O estilo-modinha (pegou até entre artistas brasileiros) se repete ao final do CD, em "Limit Is the Sky", e aí Soul II Soul deixa de parecer Soul II Soul, meio como Bootsy fazendo "pump it up".
É cortina de fumaça. Fora faixas puxa-moderninhos (que não convencem ninguém -moderninhos adoram odiar tentativas modernizantes de artistas velha-guarda), Jazzie B continua abrasador.
"Pleasure Dome" é a pedra de toque do CD, digna de integrar qualquer compilação dedicada à genialidade pop negra -é funk, é soul, é discothèque, é excelência vocal gospel (agora não mais por uma diva negra, mas pelo moço Ray Simpson). É de desmaiar.
Se aqui e ali são cometidos alguns excessos rumo ao cafona nos arranjos ("Dare to Differ"), as marcas que o Soul II Soul fincou mantêm-se presentes: o vocal grave-falado de Jazzie B, os grooves, o canto lânguido das vocalistas.
Estão ali os refrões poderosos ("Get Away", "Represent") e as referências ao pop negro (a melosa "Love Ain't Around" não deve pouco às suítes de "What's Going On", de Marvin Gaye).
Ao final, o conjunto é, ainda, imune a modismos. Talvez seja essa a esquina de Jazzie B, um homem preocupado com a moda que não sabe fazer música da moda. De qualquer forma, homem em extinção em mundo canibal. (PAS)

Disco: Time for Change Banda: Soul II Soul Lançamento: Island/PolyGram Quanto: R$ 18


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