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São Paulo, segunda-feira, 24 de março de 2003

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O general em seu labirinto

Reuters
O general Pinochet passa em revista tropas dentro do palácio de La Moneda, em Santiago, em foto dos anos 70



O chileno Ariel Dorfman parte da trajetória do ex-ditador Augusto Pinochet para investigar dramas da história recente


SYLVIA COLOMBO
EDITORA-ADJUNTA DA ILUSTRADA

Onze de setembro de 1973, Chile, um golpe militar põe fim ao governo do socialista Salvador Allende e dá início à ditadura do general Augusto Pinochet.
11 de setembro de 2001, os EUA sofrem o maior atentado de sua história e principiam uma mais que polêmica campanha contra o terrorismo, na qual se conferem o direito de intervir em outros países pela defesa dos direitos humanos e de sua doutrina política.
O mais novo livro do chileno Ariel Dorfman, 61, "O Longo Adeus a Pinochet", é um questionamento bastante pessoal sobre o que o general Augusto Pinochet, 87, significou para o século 20 e como este ícone vai figurar na memória das futuras gerações.
Sua narrativa, entretanto, costura e investiga temas que tiveram grande relevo justamente no período entre esses dois "11 de setembros" e que marcaram, tragicamente, a história recente.
São eles: O que é um ditador? O que se deve fazer com chefes de Estado que não respeitam direitos humanos? É lícito intervir em assuntos internos de outros países alegando a defesa de tais direitos ou a necessidade de adoção de um determinado modelo político? Como punir tiranos e terroristas?
O autor parte do período em que Pinochet esteve preso em Londres, entre 1998 e 2000, esperando uma decisão da justiça britânica sobre um pedido de extradição feito pelo juiz espanhol Baltasar Garzón, que queria julgá-lo por crimes contra a humanidade.
Recupera histórias pessoais, imagina conversas com Pinochet e revive sensações que o invadiram nos 17 anos em que o general esteve à frente do Chile -à ditadura militar chilena são atribuídos, segundo dados oficiais, 1.200 desaparecimentos, 3.000 execuções e inúmeros casos de tortura.
Dorfman falou com Pinochet uma vez ao telefone. Em 1973, quando trabalhava no Palácio de La Moneda como assessor de Fernando Flores, secretário-geral de Allende. Atendeu um telefonema do general e, desde então, diz manter com ele um diálogo imaginário em que tenta entender o "pesadelo que viveu o Chile". "Não previ o que sua voz escondia, a traição que ele espreitava, o golpe que em sua cabeça de militar já tinha ocorrido. Nem um pressentimento. Nada".
Co-autor -com Armand Mattelart- de uma crítica ao imperialismo cultural americano que virou best-seller ("Para Ler o Pato Donald", 1971) e dos romances "Uma Vida em Trânsito" (1998) e "A Morte e a Donzela" (1991), Dorfman vive hoje longe do Chile.
Professor de literatura na Duke University, o escritor passa a maior parte do ano em Durham (EUA). Ele conversou, por telefone, com a Folha.
 

Folha - Como você definiria este "adeus" a Pinochet?
Ariel Dorfman -
Gosto de chamá-lo de "jornalismo lírico". Amarrei três linhas de narrativa que dão conta dos acontecimentos da minha vida relacionados ao general. A primeira é um suspense, em que conto o caso Pinochet como se ainda estivesse se desenrolando e eu não soubesse como acabaria. A segunda desenvolve o encurralamento de Pinochet pela história. E a terceira é a que o investiga como um enigma, um símbolo.

Folha - O que tem a dizer aos que crêem na inocência de Pinochet?
Dorfman -
É fato que pelo menos um terço da população chilena o apóia. E o futuro do Chile não pode excluir essas pessoas. O país precisa de uma terapia coletiva.

Folha - Que lições o caso Pinochet pode trazer para outros casos de intervenção internacional?
Dorfman -
Não é claro para mim que direito tem um país de intervir em questões de abusos em outro. Mas, por exemplo, se Bush lesse o meu livro pensaria: "Tenho o direito de intervir" e, ao mesmo tempo, seria avisado: "Cuidado, com a justificativa de impedir abusos no Iraque, pode-se ir a uma corte internacional". É preciso criar essa justiça global, para cuidar de casos como os de Pinochet, Saddam ou Milosevic.

Folha - Como, na sua opinião, os tribunais internacionais poderiam ser independentes?
Dor fman -
Sempre haverá forças por trás dos tribunais, mas isso não significa que não precisemos deles. A maneira de punir Pinochet não é, definitivamente, jogando uma bomba na sua casa.

Folha - Você crê que Pinochet, de algum modo, já foi punido?
Dorfman -
Sim. Não se deve achar que só teríamos tido êxito se Pinochet fosse julgado. Hoje o temos condenado pela opinião pública internacional e com seu caso abrindo um precedente para que a humanidade julgue os abusadores de direitos humanos.
O fundamental é a luta pela linguagem. A batalha para saber quem escreverá a história. E o fato de que Pinochet tem de se declarar hoje doente e louco para se salvar é muito gratificante. Se olharmos dessa maneira, só podemos concluir que foi uma vitória, para o Chile e para a humanidade.


O LONGO ADEUS A PINOCHET. Autor: Ariel Dorfman. Tradução: Rosa Freire d'Aguiar. Editora: Companhia das Letras. Preço: R$ 30 (198 págs.).


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