São Paulo, quarta-feira, 24 de março de 2004

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DANÇA

"Samwaad" usa estilo criado há 2.000 anos

Indiana empresta arte milenar para Bertazzo

KATIA CALSAVARA
FREE-LANCE PARA A FOLHA

Esqueçam as barras e os espelhos. A formação de uma bailarina clássica indiana dispensa qualquer forma previamente estabelecida. Para subir pela primeira vez em um palco, elas chegam a estudar mais de dez anos. Aos 40, são consideradas maduras e prontas para contar histórias com seus delineados e precisos gestos.
Pelo menos foi assim com a dançarina Madhavi Mudgal, 52, conhecida mundialmente como uma das principais bailarinas clássicas da Índia, expoente do estilo odissi -desenvolvido há, pelo menos, 2.000 anos naquele país.
Mudgal esteve no Brasil pela terceira vez para colaborar com a nova criação de Ivaldo Bertazzo, "Samwaad - Rua do Encontro", que estréia hoje no Sesc Belenzinho, em São Paulo.
Aqui, a bailarina foi uma experiência viva para os 55 jovens do elenco do espetáculo -que, durante quase dez meses, desenvolveram com Bertazzo um novo gestual, uma dança que vai além das formas abstratas.
Em entrevista à Folha, Mudgal conta que ficou impressionada com a habilidade dos jovens. " Para mim, foi uma nova experiência trabalhar com dançarinos que não são treinados no estilo odissi. Eles foram verdadeiramente moldados por Bertazzo nesses meses, e o trabalho se tornou muito fácil para mim", diz.
O estilo odissi é um dos seis mais conhecidos modos de dança da Índia. Com filosofia própria, originou-se em templos como parte de rituais de louvor a deuses. Atualmente, é reconstruído e dançado em todo o mundo a partir de pesquisas em manuscritos antigos e esculturas em templos. "O [estilo] odissi tem qualidade de escultura, e o corpo segue o conceito hindu de iconografia", explica Mudgal.
Enquanto no Ocidente os bailarinos costumam se preocupar avidamente com seus passos, a dança indiana requer que eles também sejam contadores de histórias. Não que para isso precisem de voz. Normalmente, no estilo odissi, uma história é falada ao público e em seguida "recontada" pelo bailarino. Seja com o deslocamento dos olhos ou dos pés, a idéia é transmitir ao público um tipo de experiência sensorial, uma espécie de dança teatral estética.
Em "Samwaad", Mudgal colaborou na montagem da coreografia da bailarina Sawani e de mais um casal de jovens. Eles interpretam a música "Santa Morena", de Jacob do Bandolim.
A trilha do espetáculo é composta por 11 músicas, que foram gravadas em novembro do ano passado, quando o grupo Gandharva Mahavid yalaya esteve no Brasil. Com percussionistas brasileiros, provindos de escolas de samba de São Paulo, as composições foram desenvolvidas de forma que o som dos instrumentos de ambos os países, como cítaras e pandeiros, ficasse bem definido.
Filha de pais músicos, Mudgal nasceu em Nova Déli. A bailarina é discípula do guru Kelucharan Moha patra, um dos pioneiros da dança odissi no mundo. "O meu estilo é obviamente influenciado pelos ensinamentos dele", afirma.
A bailarina também acredita que as pessoas sensíveis, independentemente de suas culturas, costumam reconhecer a beleza da arte da dança odissi. "Minhas coreografias emergem da minha bagagem e do meu crescimento em uma família de músicos e também do meu treinamento em outros estilos indianos", diz.
Nessa dança, os movimentos estão longe de ser expansivos, mas são bastante detalhados. "Os micromovimentos de olhos, torso, pescoço e mão são usados para representar uma gama de sentimentos e emoções. Muitos deles contêm a energia presente em partes do nosso corpo."
Aclamada em festivais de dança de todo o mundo, presença constante em filmes e programas sobre o estilo odissi, ela recebeu prêmios por sua contribuição à arte, como professora, coreógrafa e intérprete. Uma iconografia viva da tradição milenar indiana.


SAMWAAD - RUA DO ENCONTRO. Onde: Sesc Belenzinho (av. Álvaro Ramos, 915, São Paulo, tel. 0/xx/11/ 6602-3700). Quando: estréia hoje, às 21h; de qua. a dom., às 21h; até 27 de junho. Quanto: de R$ 7 a R$ 20. Patrocinador: Petrobras.


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