São Paulo, sexta-feira, 24 de março de 2006

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CINEMA/CRÍTICA

Em "O Plano Perfeito", diretor americano monta trama com diálogos bem construídos e falsas pistas

Spike Lee subverte as convenções do policial

Keith Bedford - 20.mar.2006/Reuters
O diretor Spike Lee, com sua mulher, Tonya (ao fundo), durante première de "O Plano Perfeito"


INÁCIO ARAUJO
CRÍTICO DA FOLHA

Poderia ser um "thriller" vulgar, desses que se vê a toda hora, com um assalto a banco, tomada de reféns e um negociador empenhado em, na base da palavra, engambelar os criminosos. Mas essas são só aparências em "O Plano Perfeito". Antes mesmo de a ação começar somos introduzidos a um mundo de fácil comunicação: walkie-talkies, celulares, câmeras. Um mundo de comunicação e controle. Estamos em um filme de Spike Lee. Cada plano parece anunciar um filme que fala de Nova York.
Depois existe o assalto propriamente dito. Será preciso esperar para que o filme se desvie da convenção. Logo, estaremos às voltas com um assalto tramado com muita imaginação, onde não haverá a tradicional violência nem roubo propriamente dito. O que Clive Owen, o líder dos bandidos, quer roubar é um segredo.
Do outro lado está Denzel Washington, o detetive. Bom de conversa, como é de esperar. Ele tem humor. Seu rival, também. Os diálogos são inteligentes como raramente se vê hoje no cinema.
Temos ainda Jodie Foster. Como defini-la? Lobista? Costumam contratá-la na hora da encrenca. É o que faz Christopher Plummer, o dono do banco, homem famoso por suas obras de benemerência.
O banqueiro pouco se lixa que lhe roubem o banco e levem todo o dinheiro guardado. Seu problema é que na agência está o fétido segredo de seu sucesso na vida, que remonta à Segunda Guerra Mundial. Isso que ninguém pode descobrir está numa gaveta.
Aos poucos, começam a aparecer os reféns e mais alguns outros comparsas: há negros, sikhs, rabinos, armênios. São notações com as quais Spike mostra uma cidade multicultural, que convive asperamente com as diferenças e as recalca com um vocabulário bom-rapaz (negro é afro-americano, chicano é latino etc.).
Nesse meio tempo ocorre o duelo intelectual entre o bandido, Owen, e o policial, Washington. Ao longo dele vão se quebrando as convenções do gênero. Os assaltantes não matam reféns, detectam a escuta dos tiras e, pior, conseguem grampeá-los. Tudo isso cria, porém, a idéia de um filme em que um criminoso enfrenta o tira comum e esforçado. É outra falsa pista que o filme nos lança.
Na verdade é Clive Owen quem conduz o espetáculo. Ele sabe que esse mundo da comunicação fácil é um mundo de aparências. Que os criminosos verdadeiros talvez sejam esses que falam em honra.
Há muito tempo um filme policial não se mostrava digno das tradições do cinema americano. Da inteligência do roteiro à da realização, "Plano Perfeito" nos envolve não pela evasão que propicia, mas pela oportunidade de reflexão sobre a natureza de uma sociedade que engaiola os ladrões de galinha e cobre de medalhas alguns grandes criminosos.


O Plano Perfeito
Inside Man
    
Produção: EUA, 2006
Direção: Spike Lee
Com: Denzel Washington, Clive Owen
Quando: a partir de hoje nos cines Frei Caneca, Pátio Higienópolis e circuito


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