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Crítica/teatro/"Mãe Coragem e Seus Filhos"
Montagem de Brecht pelo Armazém cria distanciamento sutil
Evitando didatismo raso e sem perder humor e densidade, peça marca encontro entre atriz Louise Cardoso e o grupo
SÉRGIO SALVIA COELHO
ENVIADO ESPECIAL A CURITIBA
"Mãe Coragem e
Seus Filhos", que
retomou sua turnê com a presença no Festival
de Curitiba, é antes de tudo o
encontro entre Louise Cardoso
e o grupo Armazém, e ambos
ganharam com o encontro.
Cardoso faz uma Mãe Coragem com grande simpatia, enfrentando as vicissitudes da
guerra com um riso feroz, sedutora e odiosa quando preciso.
Ao visitar o universo do dramaturgo alemão Bertold
Brecht, menos lírico do que o
costumeiro no repertório da
companhia, o Armazém provou
ter conquistado uma posse plena da palavra (ajudados pela
boa tradução de Maurício Arruda Mendonça), sem perder o
humor e o aprofundamento,
evitando assim o didatismo raso que tanto mal faz às encenações brechtianas ortodoxas.
Mas algo desandou na receita. Mesmo contando com Simone Mazzer, cuja voz poderosa acaba fazendo sua Ivete
ofuscar o canto mais contido de
Cardoso, as canções brechtianas, atrações fixas do texto,
soam como um apêndice incômodo no espetáculo.
Embaraçadas em uma indefinição de arranjo, que, embora
contando com músicos ao vivo,
tem na percussão seu maior
apoio, as canções não cumprem
a sua maior função de causar
distanciamento.
Estilo próprio
É porque o grupo, ao seu estilo, garante o distanciamento de
modo mais sutil, nas pausas cômicas de Mazzer e Thales Coutinho, como na impagável cena
em que a fila de reclamações vai
se desfazendo aos poucos, ou
nos elementos simbólicos
abertamente assumidos, como
quando Sérgio Medeiros faz o
papel do pato a ser vendido ao
cozinheiro do regimento.
O Brecht expressionista está
garantido pelo cenário, mais
uma parceria entre o diretor
Paulo de Moraes e a cenógrafa
Carla Berri: uma estranha paisagem de ferrugem no painel de
metal ao fundo, enquanto no
proscênio um arqueólogo narrador (a eficiente Verônica Rocha) vai desenterrando caveiras, a morte inevitável, tema essencial da peça.
A degradação pelo tempo e o
passado obscuro, não histórico,
estão igualmente concretizados pela carroça, carcaça reaproveitada de um avião da Primeira Guerra.
O Armazém se mostra uma
companhia sólida ao permitir o
rodízio de seus atores. A grande
Patrícia Selonk faz o papel pequeno, mas precioso da filha
muda, o que lhe permite um extraordinário estudo expressionista, enquanto Ricardo Martins, um marcante Queijinho, e
Marcelo Guerra, um vigoroso
Eilif, vêm à linha da frente com
firmeza.
Depois do ápice de "Toda
Nudez Será Castigada", "Mãe
Coragem e Seus Filhos" figura
como uma montagem menor
do Armazém, mas não chega a
decepcionar.
MÃE CORAGEM E SEUS FILHOS
Avaliação: bom
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