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CONTARDO CALLIGARIS
A masturbação está fora de moda
Em quase 30 anos de prática
clínica, nunca aconteceu que
um pai ou uma mãe me consultassem por estarem preocupados
com a "excessiva" atividade masturbatória de filhos e filhas. E
nunca um adolescente destinou
algum tempo de sua terapia a discutir os méritos e as culpas dos
prazeres solitários.
Mas encontrei, isso sim, homens
e mulheres de meia-idade (50 ou
60 anos) que se queixavam ocasionalmente de suas próprias
"fraquezas" masturbatórias. Manifestavam uma certa insatisfação moral, uma sensação de infantilidade, às vezes até um medo
(que sabiam ser irracional e injustificado) de alguma vingança
do corpo (tuberculose, astenia).
Todos consideravam que as culpas e os receios relativos à masturbação eram restos de ameaças
recebidas durante suas infâncias,
nos anos 40 ou 50.
Ao que parece, há uma distância significativa entre os sujeitos
maduros, em que ressoam palavras de condenação ouvidas
quando crianças, e os jovens para
quem a masturbação sumiu do
catálogo das inquietações. Como
se produziu essa mudança? E, antes disso, quando e por que a masturbação se tornou uma patologia, física ou moral?
Thomas Laqueur é um historiador americano, conhecido por
uma excelente história cultural
da diferença sexual: "Inventando
o Sexo: Corpo e Gênero dos Gregos a Freud" (Relume-Dumará).
Ele acaba de publicar outro livro
notável: "Solitary Sex, a Cultural
History of Masturbation" (sexo
solitário, uma história cultural da
masturbação).
Laqueur lembra que a masturbação é uma prática comum, mas
irrelevante, até a modernidade. A
partir do século 18, de repente, ela
tornou-se um grande tema cultural. A coisa começou com um tratado anônimo, de 1712, que descrevia as terríveis consequências
da masturbação e prometia remédios milagrosos. Desde então,
a medicina se apoderou do caso.
Durante dois séculos, a masturbação foi estigmatizada, cresceu a
lista de seus efeitos nefastos, e foram propostos recursos para contrariá-la: desde a idéia, benigna,
de prender as mãos de meninos e
meninas até a prática de cauterizar o clitóris das meninas com
ferro quente (sem anestesia, claro).
Ao redor de 1900, ninguém consegue mais acreditar nos efeitos
danosos, tanto físicos como mentais, da masturbação. Aos poucos,
a prática é criticada sobretudo
por razões morais. Freud, crucial
nessa mudança, ainda supõe que
a masturbação esteja na origem
de uma patologia (a neurastenia), mas também concebe a prática como um momento infantil
da sexualidade; na vida adulta,
ela seria apenas um (vergonhoso)
sinal de escassa maturidade.
Nos anos 60, a masturbação é
promovida pela contracultura à
condição de atividade libertadora e contestatária; torna-se tema
de uma das canções de "Hair" (o
musical que, durante décadas,
ocupa os palcos do mundo) e acaba sendo apresentada por muitos
sexólogos como uma terapia das
inibições sexuais.
Essa história, reconstruída por
Laqueur, é mais que uma curiosidade cultural. Ela é reveladora de
uma contradição ainda fundamental para nós. Por que o livro
de 1712 teve sucesso? Por que, na
aurora da modernidade, a masturbação preocupa tanto? A resposta transcende o campo da sexualidade.
A modernidade nos encoraja a
querer mais do que já temos e a
sonhar em vir a ser mais do que
somos. Ela aposta na nossa capacidade infindável de fantasiar.
Conta com os excessos do desejo,
pois propõe um sistema econômico fundado na contínua renovação dos apetites e um sistema social alimentado pelo anseio de
mudar de status e de subir na vida.
Por isso mesmo, nossa cultura
não sabe inventar uma ética ou
mesmo uma etiqueta do desejo
enaltecido. Somos, portanto,
ameaçados constantemente pela
liberdade de fantasiar e desejar
que nos é indispensável e que nos
define. Pois, como nota Laqueur,
a autodeterminação beira a falta
de lei, o individualismo beira o
solipsismo.
A masturbação é uma metáfora
desse paradoxo. Nela, o desejo e a
fantasia triunfam, mas dispensam o encontro com o parceiro,
satisfazem-se sem os limites impostos pela realidade. Descobre-se, assim, que nossas faculdades
prediletas arriscam desagregar o
laço social mínimo: a célula da vida amorosa. A masturbação lembra, em suma, que a exaltação
moderna do indivíduo ameaça
comprometer qualquer projeto de
sociedade.
Não por acaso o sexo solitário
foi inocentado nos anos 60, logo
no momento em que a modernidade reafirmou seu credo na proliferação de desejos e fantasias.
Desde então, a masturbação
não é mais um problema, está fora de moda. Mas a dificuldade
para inventar uma ética do desejo continua na ordem do dia.
Aparecem novas maneiras de
preocupar-se com a contradição
entre a apologia do desejar e a necessidade de regrar o desejo para
que a vida seja tolerável e a convivência social seja possível.
Os pais de hoje queixam-se das
drogas que entregam seus rebentos a um mundo separado de fantasias, em que a realidade e a sociabilidade se perdem. E questionam o exercício solitário do devaneio induzido pela avalanche
hollywoodiana.
Mudou apenas a forma das
preocupações. O paradoxo moderno do querer permanece irresolvido.
ccalligari@uol.com.br
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