São Paulo, segunda-feira, 24 de abril de 2006 |
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Arqueologia digital
SILVANA ARANTES DA REPORTAGEM LOCAL Uma mostra de filmes do cineasta brasileiro Joaquim Pedro de Andrade (1932-88), que começa hoje em São Paulo, conjuga simultaneamente o futuro e o pretérito na gramática do cinema. Os títulos, que o diretor realizou entre os anos 50 e 80, sem o prenúncio da produção digital, foram restaurados com uso dessa tecnologia e nela serão exibidos gratuitamente, no Cinesesc, até a próxima quinta. O espectador que quiser ver a obra do cineasta -autor de clássicos do cinema brasileiro como "Macunaíma", "Garrincha, Alegria do Povo" e "O Padre e a Moça"- vai dividir lugar na platéia com estudiosos nacionais e estrangeiros em conservação de filmes. Os especialistas participam do 62º Congresso da Fiaf (Federação Internacional dos Arquivos de Filmes), que tem como tema central de seus debates o "futuro dos arquivos de filmes num mundo de cinema digital". "Sem nenhuma arrogância, espero que a gente possa constatar que está na vanguarda [da questão]", afirma a cineasta Alice de Andrade (diretora de "O Diabo a Quatro"). Filha de Joaquim Pedro de Andrade, Alice coordenou, junto com seus irmãos, o processo de restauração e transporte da obra do pai para o formato digital -e de novo para a película, ainda considerada "o suporte que mais guarda informação". O trabalho foi feito durante os últimos três anos, com patrocínio da Petrobras, e de modo "totalmente empírico", já que são incipientes experiências do gênero. "Filme vivo" "Apanhamos. Foi horrivelmente difícil. Tivemos de mudar de configuração técnica três vezes, trocando inclusive computadores e monitores", conta Alice. Todo o processo foi registrado num documentário e num livro (em preparação), com o qual os herdeiros de Joaquim Pedro pretendem "devolver a sorte e democratizar um conhecimento que foi duro de adquirir". Embora penosa, Alice achou "tão apaixonante a arqueologia dos filmes", que passou a estudar profissionalmente a conservação cinematográfica. A diretora hoje se espanta com o fato de que nem todos, mesmo entre profissionais do cinema, levem em conta que "o filme é vivo; fica doente, envelhece, morre". A "ressurreição" da obra de Joaquim Pedro de Andrade dará oportunidade de conhecer filmes seus que estavam inacessíveis, como o curta "A Linguagem da Persuasão", filmado em 1970, sobre a retórica publicitária. História em revisão É um exemplo miúdo de um efeito que pode ser extraordinariamente importante na perspectiva histórica da sétima arte. O crítico e professor Ismail Xavier afirma que "a cada período você revê a história do cinema", quando a recuperação de arquivos traz à luz produções que haviam ficado submersas. "O conhecimento do cinema do início do século [20] alterou todo o nosso conhecimento do cinema", exemplifica. Estudando nos EUA, Xavier assistiu aos 150 primeiros filmes do pioneiro D. W. Griffith (1875-1948), salvos do desaparecimento por uma legislação de direito autoral que, desde os primórdios, obrigou os produtores norte-americanos a manter em arquivo público uma cópia de seus filmes. "Por isso os americanos se tornaram os principais historiadores do cinema", diz Xavier. Os filmes de Griffith foram reproduzidos a partir de cópias em papel (!). Cada quadro dos filmes tinha sua cópia impressa depositada em arquivo. "Agora existe uma polêmica forte em torno do [arquivo] digital. Há gente que é contra", afirma o crítico e professor de cinema. Há dois aspectos no cerne da polêmica sobre os arquivos digitais: a dúvida sobre sua real durabilidade e a certeza da constante obsolescência de seus formatos, substituídos a cada ano por novos avanços tecnológicos. "As pessoas falam hoje de digital, e de orelhada, como se ele fosse a salvação da lavoura", afirma Carlos Roberto de Souza, curador do acervo da Cinemateca Brasileira, que está completando 60 anos. "É um equívoco comparável ao tempo em que o filme de nitrato foi substituído pelo de acetato", diz Souza, citando a época anterior ao surgimento do VHS e do DVD. "Pensava-se que o acetato teria uma existência perpétua." Não tinha. De resto, segundo o especialista, "nada está resolvido. O assunto começa a ser discutido exatamente em São Paulo". Texto Anterior: Mônica Bergamo Próximo Texto: Frase Índice |
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