SÉRGIO RIZZO
CRÍTICO DA FOLHA

"A mediocridade ativa é uma merda" e "esse Bush é um filho da puta" são pequenos exemplos de como se modula e se direciona o verbo do arquiteto Oscar Niemeyer em "A Vida É um Sopro". O próprio título é derivado de outra de suas frases -curiosa, no mínimo, vinda de alguém prestes a completar um século de idade.
No final, em momento adequadamente reservado para encerrar de forma inusitada esse documentário-tributo, Niemeyer dirá o que considera haver de mais importante na tal vida que passa sem que se perceba (a dele e, supõe-se, a de todos nós). "O resto é brincadeira", pontifica.
Até chegar lá, seus depoimentos -colhidos em diversas ocasiões ao longo dos últimos anos pelo diretor Fabiano Maciel e pelo produtor Sacha- dividem-se entre aforismos sobre a existência (vários construídos com o uso do verbo "foder") e considerações sobre a "brincadeira" que o tornou célebre, a arquitetura.
Embora a crítica à "mediocridade ativa" talvez sugira prepotência e arrogância, Niemeyer fala do ofício com simplicidade exemplar. Não atribui a si genialidade e, ainda que reitere o que suas obras trazem de notável, parece menos preocupado com a administração de seu prestígio internacional do que com a efetiva contribuição dos projetos à paisagem.
A tarefa do elogio cabe ao elenco de entrevistados, no qual figuram Chico Buarque, José Saramago, Ferreira Gullar, Eduardo Galeano, Carlos Heitor Cony, Nelson Pereira dos Santos, Eric Hobsbawn e Mário Soares. Galeano resume a trajetória de Niemeyer a uma batalha "contra o ângulo reto que ofende o espaço".
É um raro exemplo de ótima frase que não está na boca do homenageado, mas da qual ele não haveria de discordar, como se encarregam de demonstrar seus comentários sobre a seleta de obras recolhida pelo documentário, desde o prédio da Obra do Berço, no Rio de Janeiro, em 1937, aos trabalhos nos EUA, França, Itália e Argélia, passando evidentemente por Brasília, mas apenas sobrevoando sua atuação política.